São Benedito, o Mouro

Iaiá, você vai à Penha?

Me leva ô, me leva...

Iaiá, você vai à Penha?

Me leva ô, me leva...

Folclore capixaba.

Um dia desses, num bate-papo longo e sem pressa, um senhor idoso, morador da Serra, me contou histórias sobre o Congo, a devoção a São Benedito e como era a vida dos seus antepassados. Melhor dizendo, ele recontou histórias que eu já conhecia e que são bem do conhecimento geral. O que me admirou em sua narrativa foi o quase uso da primeira pessoa para discorrer sobre as histórias. Sendo ele tão antigo e tão ligado à sua cultura, era como se tivesse falado sobre fatos ocorridos diretamente com ele.

De certa forma, sim, acabo fantasiando e acreditando que ele esteve presente na história, porque foi muito claro e convicto em suas palavras, e é até possível recriar na mente a dolorosa noite, no ano 1856, quando um navio transportando escravos naufragou no litoral de Nova Almeida. A bordo, 25 escravos lutando contra a morte iminente, se agarraram ao mastro partido, onde havia fixada uma imagem de São Benedito.

Os homens perceberam que aquele pedaço de pau era sua única chance de sobrevivência, e apelaram para o poderoso santo mouro, filho de escravos, assim como eles o eram. Invocaram São Benedito e rogaram que intercedesse por eles junto a Deus, rezaram e se esforçaram a noite toda durante a tempestade no mar. Quando amanheceu, chegaram à praia, todos vivos. O navio, Palermo, jazia no fundo do mar.

O episódio foi considerado um milagre e a partir daí, todos os anos o povo devoto da Serra homenageia São Benedito com uma festa muito bonita.

Os preparativos começam com a Cortada do Mastro no primeiro domingo depois do dia 8 de dezembro, dia de Nossa Senhora da Conceição, quando homens entram na mata e de lá trazem um tronco, que é levado para a cidade arrastado por bois enfeitados com flores e ramos verdes.

Em 25 de dezembro, a festa começa com a procissão de São Benedito e em seguida, os fiéis puxam com cordas o barco Palermo, pelas ruas da Serra, montado sobre um carro de boi.

No dia seguinte, 26, pela manhã, com o mastro sobre o barco, os fiéis decoram tudo com bandeirinhas e luzes, e à tardinha, acontece a Puxada do Mastro, quando o navio é levado pelo povo pelas principais ruas da cidade até o pátio em frente à Igreja de Nossa Senhora da Conceição, onde é realizada a Fincada do Mastro. É o climax da festa.

O rito é consumado no domingo de Páscoa, no ano seguinte, quando os devotos fazem a Derrubada do Mastro. Mais festa.

Ao ouvir sua narrativa, percebi que aquele antigo senhor mais que falava, ele vivia cada palavra e cada imagem que formava para expressar o mais fundo de sua fé; aquilo que me pareceu ser o mais precioso tesouro que havia dentro dele; sua verdade mais cristalina.

E assim, tentei multiplicar, mesmo em vão, por algumas dezenas de milhares aquele sentimento que acabara de testemunhar, para compreender como a fé do povo é importante e cara para toda aquela gente. Então, como poderia não ser verdade, para todos aqueles fiéis, que de fato ocorrera um milagre do santo nos tempos da escravidão? Como dizer que aquilo tudo não aconteceu, se tanta gente testemunha até hoje, e sempre, a interseção de São Benedito, junto às poderosas mãos de Deus, salvando as 25 almas perdidas na molhada e tempestuosa noite de naufrágio?

Aprendi, humildemente, uma lição de fé ante as dificuldades e perigos, quando tudo parece perdido e a morte se aproxima decidida.

Toscana

Deixarás toda a causa a mais querida, chaga primeira de tormentos cheia, do desterro pelo arco produzida.
Sentirás quanto amarga; quanto anseia o sal de estranho pão; que é dura estrada, subir e descer degraus da escada alheia.
Paraíso – Canto XVII – v.19-20 – Dante Alighieri
 

Sentindo saudades da Itália, deixo-me transportar pelo pensamento e me vejo perambulando por pequenas cidades da Toscana, com suas ruas estreitas e casas muitas vezes multicentenárias. São construções onde mãos humanas operaram durante séculos para mantê-las preservadas, no esforço contínuo de perenizar seu modo de vida e sua cultura através dos tempos. Passeio por lugares deslumbrantes por onde pessoas, assim como eu, caminharam a cem, duzentos, quinhentos anos atrás, e assim como hoje, com os seus mesmos problemas, preocupações e perigos, em sua frágil e efêmera condição humana. Enquanto indivíduo, pois que, enquanto coletivo, o homem sobrevive ao tempo, e assim considerado, o mesmo homem que por ali andou, ainda hoje anda, e admira suas belas fachadas, seus contornos e telhados.

Esta região italiana possui encantos que só existem ali. Misture fotos e imagens do mundo todo, e sempre será possível identificar, num olhar de relance, por mais rápido que seja, uma paisagem toscana com seu relevo ondulado, suas árvores típicas e suas intermináveis encostas carregadas de vinhas.

Ah! Os vinhos da Toscana... Chiantis, Brunnellos, e tantos outros, são como um elixir da vida, em que cada gole, sorvido em concentrado respeito e atenção, nos remete às mais sublimes dimensões de beleza e ao mais puro estado de felicidade. É como viver em estado de jóia, testemunhando obras de artistas imortais, responsáveis por elevar o ser humano a categorias distintas dos demais seres da vasta criação, em função da perfeição com que retrata o mundo através de seu trabalho: O belo, o sublime, o perfeito, coisas boas de apreciar, a beleza em seu estado puro.

Chegando a Montalcino, entro numa cantina e peço vinho. Peço também queijo e uns salames, e a vida desacelera em doces ondas de beleza e sonho, pois são daqui importantes vinhos, apreciados no mundo todo por sua robustez e características organolépticas superiores: Os Brunellos e os Rosso di Montalcino.

Frequentes também nas paisagens toscanas são as oliveiras e os girassóis. O azeite toscano é um capítulo à parte.

E foi por aqui também que um sujeito chamado Dante, considerado il sommo poeta, codificou o volgare, a língua falada pelo povão lá pelos anos 1300, e assim surgiu destacada do latim, a língua italiana. É pena que, por motivos outros, Alighieri foi banido injustamente de sua cidade, acabando seus dias em Ravena. Até hoje, Firenze carrega um enorme arrependimento, a tal ponto que ainda o espera com um vazio e riquíssimo monumento funerário, o mauzoléu onde serão depositados os restos mortais daquele que é considerado um dos mais importantes cidadãos fiorentinos de todos os tempos, primeiro e maior poeta da língua italiana.

O que mais poderia dizer sobre meu passeio mental pela Toscana? Que vi Vinci, a cidade de Leonardo? Que apreciei as brancas montanhas de mármore em Carrara? Que vi a torre torta de Pisa? Que subi até o topo do Campanile e de lá, como que ao alcance de minhas mãos pudesse tocar a cupola de Giotto, e logo no sentido inverso os telhados do Battistero di San Giovanni? Que vi de perto o David de Michelangelo na Accademia? Ou todas as obras imortais no maior museu renascentista do mundo, a Galleria degli Uffizi?

Muita coisa eu vi. E quero tornar a ver.

Amor na noite de Natal


A campanhia tocou quando ele finalizou o molho de gorgonzola. “Muito bom, consegui organizar tudo justo na hora que ela chegou”, pensou.

Em segundos abriu a porta e a viu.

            - Linda. Você está linda...

Puxou-a suavemente pelas mãos para dentro do apartamento e a abraçou com ternura.

            - ... e cheirosa.

Ela sorriu e o encarou com seus olhos claros. Beijaram-se ternamente.

            - Então, quero ver se você sabe mesmo cozinhar, ou se é conversa fiada – disse ela brincando e com uma pontinha de ironia na voz.

            - Hoje teremos um menu especial para nossa noite de Natal. Para a Entrada, teremos bruschetta acompanhada de um vinho moscato, um espumante muito bem recomendado pelos críticos. Eu faço com fatias finas e pequenas de baguette, mas com a receita tradicional: tomates picados, azeite, manjericão, orégano, e uma pitada de pimenta-do-reino branca. Não uso pão italiano. Em seguida, você vai experimentar meu filé mignon ao molho de Gorgonzola. Maravilha das maravilhas! Acompanha batatas sauté e pennette di grano duro. Vamos beber um Rosso di Montalcino, safra especial. E para coroar nosso jantar, teremos bananas flambê ao conhaque e vinho de sobremesa. O fogo atrai e fascina.

            - Então é verdade mesmo que você cozinha?

            - Você vai ver. Ou melhor, você vai ver as cores e sentir os aromas; vai comer e se deliciar. Vai ficar um pouco tonta também, porque beberemos vinho. Além de Noel, nesta noite Baco também estará conosco.

            - Humm, isso está parecendo uma orgia, percebo que há más intenções por aqui...

            - Ao contrário, querida, eu diria que são as melhores intenções possíveis.

Deram algumas risadas a caminho da cozinha. Eles viviam o encantamento dos primeiros encontros, e enquanto se conheciam, cada novidade entre os dois os deixavam mais enamorados.

Sentaram à mesa. A brisa suave e morna de verão entrava pela porta da varanda. A música bem escolhida para a ocasião murmurava acordes que soavam em perfeita harmonia com os pratos que ele havia preparado. O tilintar das taças e os brindes ao encontro. A penumbra oscilante de pequenas velas formando um jogo de luz e sombra mostrava, mas também escondia detalhes de seus gestos, fisionomias e roupas.

Jantaram, beberam, riram. Beijaram-se e se amaram numa noite de encantamento, sem sentirem o avançar das horas nos ponteiros do relógio, como se o tempo estivesse parado e não houvesse referências físicas de espaço. Viveram uma embriaguês mágica de ternura e carinho juntamente com a experiência dos cinco sentidos físicos.

O sexo. Desejaram que o tempo cristalizasse após o gozo, e que o mundo se tornasse uma eternidade sonolenta e perfumada.

Assim foi a noite de Natal para aqueles dois amantes que, num acaso cósmico dentro das impossibilidades do caos, se esbarraram e viveram felizes, efêmeros e frágeis momentos de amor.

Adormeceram cansados, e se houvesse uma testemunha naquela noite, ela juraria que Noel e Baco realmente estiveram presentes.

Pela manhã, tomaram café e trocaram pequenos presentes.

- Feliz Natal, amor.

- Feliz Natal.

Pouco depois, ele a acompanhou até à porta e se despediram. Marcaram um encontro para daqui uma semana.

            - Mas preciso confirmar porque não sei como está a programação da galera.

            - Está bem, ficamos assim. Se der a gente se fala.

            - Tchau, então.

            - Ah, você cozinha bem mesmo, cara. Valeu.

O fim do mundo


Hoje, 21/12/2012, começa o verão, estação de praia, calor, chuvas, dengue, e tantas outras coisas, umas boas outras más. Os corpos se desnudam ao sol ou sob a lua, mais cerveja gelada, mais sorrisos, mais festas, mas as enchentes também acontecem nessa época, e vão matar e desabrigar muita gente. Época de posse dos prefeitos eleitos, mas o de Viana está sob suspeita de envolvimento com o tráfico de drogas, e mesmo tendo sido cassada a liminar que impedia sua diplomação pelo Tribunal Regional Eleitoral, está correndo o risco de não efetivar sua administração, caso sejam verdadeiras as acusações a que lhe foram atribuídas.

Continuamos sendo, lembrando Jorge, um “país tropical e bonito por natureza”, mas somos também um país onde há uma luta imensa entre a maldita instituição da corrupção e as instituições que tentam vencê-la através dos mecanismos legais.

E porque os próprios representantes do povo, os que fazem as leis, via de regra são os primeiros que aparecem burlando os dispositivos legais, sempre tive dúvidas se um dia a legalidade vencerá essa guerra.

Fato inusitado foi a tresloucada declaração do deputado Marco Maia (PT-RS), atual presidente da Câmara dos Deputados, diante da expectativa de o Supremo Tribunal Federal decidir se os mensaleiros vão ou não imediatamente para a prisão. Ele surtou de vez ao declarar sua intenção em dar “asilo” aos deputados condenados dentro da própria Casa se for decretada a prisão pelo Ministro Joaquim Barbosa, relator do processo e presidente do STF. Ou seja, além de dar apoio e acoitamento a condenados pela justiça, Sua Excelência demonstra despreso à democracia ao não respeitar uma decisão da Alta Corte da justiça brasileira. Marco Maia é o nome dele.

E por falar em Maia, lembro os Maias que, segundo seu calendário publicado em tempos idos, é hoje o fim do mundo. Será?

Canais de TV a cabo fizeram inúmeros documentários catastróficos durante todo o ano, revistas místicas publicaram artigos e a indústria da derrota, especialmente a dos Estados Unidos, faturou muito com todo tipo de artefato. Abrigos subterrâneos, bunker portátil, flutuantes ao estilo Arca de Noé foram fabricados aos montes, e sem contar que alimentos foram estocados, armas foram adquiridas, cursos preparatórios foram ministrados. Para muitos, o fim, e para outros, a continuidade e a prosperidade..., demonstrando que a morte, como signo do desaparecimento, não passa de uma retomada para as próximas etapas. É a vida que segue.

Apesar da complexa situação que passa o planeta, com dificuldades de toda sorte em todos os continentes, é tão bom viver. Por que o mundo teria que acabar hoje? Por que não depois de mais uns 4 ou 5 bilhões de anos, e isso quando o Sol se apagar?

Sinceramente? Eu não concordo, não quero e não estou preparado para o fim de tudo. E ponto. Quero muito viver e me divertir, beber meus vinhos e ser feliz, e entremeando, um pouco de trabalho porque, afinal, tenho certeza que as contas não vão parar de chegar pontualmente, todos os meses.

Viver até que chegue o meu fim, e não o fim do mundo. E aí depois (quem é que pode ter certeza?), do outro lado, eu possa continuar minha jornada boiando pelas esferas astrais, pela universalidade, pela eternidade, até que um dia, cumprindo as inexoráveis e infalíveis ordens emanadas pelo Grande Chefe, o Grande Arquiteto do Universo, eu retorne para estas paisagens tropicais com o objetivo de consertar alguma coisa que eu eventualmente tenha deixado de executar de maneira satisfatória nesta errática e imperfeita forma humana atual. Cumprir minhas obrigações, cumprir meu karma, e continuar, sempre.

Lua Azul

 
Blue moon, you saw me standing alone

Without a dream in my heart

Without a love of my own.

Lorenz Hart e Richard Rodgers

Uma e pouco da tarde, no trânsito lento de Carapina, na Serra, e retornando para o trabalho depois de conversar com o mecânico que está arrumando o meu Puma, ouvi o Sardenberg perguntando:

            - E aí, pessoal? É temperança ou pé na jaca?

Enquanto os ouvintes do programa na rádio CBN enviavam suas respostas, ele anunciou que hoje está acontecendo um fenômeno raro no céu: Hoje é dia de Lua Azul.

Lua Azul é a segunda lua cheia em um mesmo mês e ocorre uma vez a cada dois ou três anos. A expressão, Blue Moon, foi dada pelo Anuário Astronômico Americano lá pelo século 19. Conforme esclarecimento do locutor, a Lua não fica azul, não aumenta o seu brilho, não altera o seu tamanho. É apenas uma coincidência de calendário.

Mas é aí que entra a genialidade humana que encontra motivação para transformar um fenômeno físico em algo que afeta a existência do ser. Dizem os místicos e outros adeptos que a Lua Azul é uma Lua de Amor, uma época em que os seres viventes, se dada a devida atenção a ela, podem transformar suas vidas em níveis mais elevados de espiritualidade. Os rituais, as oferendas e os luais vão se multiplicar nesta noite por todos os recantos do planeta. Uma parcela importante da população mundial vai se concentrar em planos mais sublimes do convívio humano. Velas serão acesas, preces serão recitadas, haverá meditação, concentração, pedidos e promessas. Muitas pessoas vão se amar mais. Talvez o mundo se torne menos ruim.

Eu, pelo meu lado, às vezes até penso que poderia me transformar numa pessoa mais nobre, com pensamentos mais holísticos e harmoniosos entre o físico e o imaterial, menos egoísta, menos racional; Uma pessoa capaz de olhar para o meu semelhante de forma mais misericordiosa. Mas acabo concluindo, na boa, o que eu queria mesmo, além de ter mais amigos e mais convívio, era mais grana. E depois pensaria em melhorar qualquer coisa na vida e no espírito.

Daí me deu vontade de ligar para o Sardenberg e dar minha opinião:

- Pé na Jaca, com convicção! Até porque hoje é sexta-feira e estou com vontade de abrir uma garrafa de vinho e começar bem o meu fim de semana. Temperança? Nem pensar!

O Sardenberg haveria de dar uma boa risada sobre a minha opinião e teceria algum comentário. E eu estaria satisfeito com minha participação no seu programa de rádio.

Não liguei para ele, mas continuei ouvindo o programa. Interessantes as respostas das pessoas. Percebi que, cada um, ao seu próprio modo, justificava sua escolha relacionando-a sempre a uma situação de trabalho ou de família. Sempre algo exterior a si própria, nunca simplesmente afirmando sua vontade pessoal. Ninguém disse “Quero enfiar o pé na jaca porque quero ser feliz”.

Assim são as pessoas atribuindo a outrem a motivação de suas iniciativas.

O programa ia avançado quando foi dito que a Lua Azul vai acontecer outra vez em julho de 2015.

Logo pensei:

- Isso se o mundo não acabar antes, em 21 de dezembro deste ano, conforme previsão do calendário maia, tão insistentemente veiculada e alardeada nos documentários dos canais da TV a cabo.

            - Será?

Quem viver verá...
 

Uma festa de 2123 anos

 
 

Roberto aproveitou um convite do Arnaldo, um antigo amigo dos tempos do Colégio Estadual, no Forte São João, em Vitória, para passar uns dias em Gramado, Rio Grande do Sul, com a família.

Vida de turista, sem hora para nada, perambulou pelas atrações da cidade com a mulher e a filha até que, num daqueles restaurantes da rua coberta, entre um gole e outro de vinho, o amigo e sua esposa, Selma, apareceram. Depois de tantos anos, o encontro foi alegre. Muitas recordações. Almoçaram e beberam.

Aliás, beberam além da conta. Tudo ia bem até que que o Arnaldinho lascou o convite:

            - Tenho um tio que está aniversariando hoje. Vai ter uma festança na casa dele à noite. Vamos lá?

Tentou argumentar que não conhecia ninguém, seria um intruso na família, ficaria deslocado sem ter com quem conversar, mas não teve como escapar da enrascada. Aceitou o convite.

A mulher e a filha, mais que depressa, arrumaram uma desculpa: Havia uma atração na rua à noite. Não poderiam acompanhá-lo.

Estava só. E mal acompanhado.

            - Vai ser como a travessia de um deserto árido, escaldante e sem vida – pressentiu.

Depois ainda tentou minimizar para se consolar:

            - Esses gaúchos são festeiros. Vai que a festa é animada? Senão, no mínimo, terei o meu amigo para conversar.

            - Tomara - pensou conformado – Tem dias que tudo dá certo, e tem aqueles que a gente passa e depois tenta esquecer.

Na hora marcada, precisamente na hora marcada (Eles não esqueceram!), o casal de amigos estava no hall do hotel, esperando para levá-lo à festa.

Chegando, teve uma surpresa quando avistou várias pessoas, todas idosas, sentadas em cadeiras enfileiradas e encostadas nas paredes ao redor da sala. Ao centro, uma mesa onde estavam servidos os comes e bebes: Sonho com recheio de creme de padeiro e guaraná. Era o que havia. Explicando aos desavisados, sonho aqui são aqueles bolinhos fritos com recheio de creme de gema de ovo.

Ao entrar, todos se voltaram para ele em silêncio. Foi só aí que o seu amigo disse que a festa era para comemorar o aniversário de 100 anos do seu tio-avô.

            - Meu Deus, vai demorar uma vida para acabar! – sussurrou entre os dentes.

Após ser apresentado ao aniversariante, em particular e aos demais, no geral, as conversas foram retomadas, mas sem ele.

Sentiu-se um ser transparente, ninguém o via. Totalmente deslocado no ambiente, amargou horas na animadíssima festa.

Pensou em arrumar um pretexto para ir embora, mas não dava porque estava de carona e não se sentia com coragem para chamar um taxi.

Resignou-se e suportou. Para passar o tempo, fez um jogo mental constituído em atribuir uma idade para cada um dos velhotes presentes. Somou tudo e chegou à surpreendente marca de 2123 anos. Era muita experiência concentrada em pouquíssimos metros quadrados, mas, que festinha chata.

Finalmente, lá pelas tantas, Arnaldinho e sua mulher decidiram que era hora de irem embora.

            - Então – perguntou o amigo no carro durante o retorno para o hotel – gostou da turma?

            - Ah, sim, o pessoal é bem animado, não?

Silêncio. Roberto desconfiou que sua entonação havia denunciado o seu desagrado.

- Também, sujeito sem noção... – pensou.

Dormiu o sono dos justos, aliviado, porque havia passado pelo purgatório da chatice. Amanheceu leve e alegre.

- Família, vida nova, atrações novas. Vamos visitar uma vinícola no Vale dos Vinhedos e nada nos aborrecerá hoje.

Desceram para o café da manhã. De passagem para o refeitório, deram de cara com Arnaldinho no hall os aguardando. Eufórico foi logo dizendo:

            - Bom dia, gente! Hoje teremos um dia ótimo no sítio do meu cunhado, irmão da Selminha. Vamos lá?
 

Aipédi, aipódi, aifone

 


Domingo, mais ou menos uma e meia da tarde, a mulher passando o dia com sua turma de artesanato, os filhos cuidando de suas próprias vidas. Sozinho, fui almoçar no shopping.

Entrei num desses restaurantes de comida padronizada-pasteurizada, coloquei qualquer coisa no prato e fui para a balança pagar. Pedi um chope.

A praça de alimentação estava quase lotada, mas consegui uma mesa bem localizada, de tal modo que pude ver a maioria das pessoas no ambiente.

Almocei sem pressa. Bebi o meu chope. Bebi mais um. Estava melhor que a comida.

Olhando distraído ao redor percebi como tem gente com aparelhos do tipo smartphone. Impressionante, pensei. Todo mundo tem. Uns falando e outros digitando. Eu não tinha noção da quantidade de gente que usa essas maquininhas.

Uma senhora no canto direito falava reclamando algo com alguém do outro lado da linha, enquanto um rapaz ao seu lado a olhava com atenção.

Um adolescente digitava mensagens velozmente; Outro, ferozmente, estava numa luta memorável com um inimigo virtual. Acho que ganhou a guerra, a considerar o sorriso de satisfação que deu quando a musiquinha parou de tocar.

Mas, o que mais chamou minha atenção foi uma família à minha frente. Pai, mãe, duas filhas e cinco telefones em uso. Simultaneamente!

É verdade, tinha umas Coca-Colas e uns sanduíches sobre a mesa, mas quase abandonados. Mais importantes eram os aparelhinhos. Tá certo, de vez em quando alguém dava uma mordida ou um gole no refrigerante. Mas o que se via e ouvia mesmo era uma concentração absoluta nas telinhas e uns grunhidos emitidos por alguém do grupo reagindo contra algo que acontecera no aparelho. Essa era toda a comunicação que faziam entre si, e parece que é o que bastava entre eles.

Nada contra o avanço da tecnologia no mundo. Tecnologia que permite, em tese, promover a aproximação entre as pessoas, mas o que eu percebi foi o distanciamento exagerado entre os membros daquela família. Tão perto uns dos outros na mesa do restaurante e ao mesmo tempo tão distantes.

Foi uma cena patética, até meio triste. Tive receio de ser indiscreto de tanto que eu os observava. Porém, levando em conta como estavam entretidos e absortos em seus mundinhos, não sei se eles poderiam vir a me perceber os observando. Não houve um instante em que eles olhassem ao redor de onde estavam, ou mesmo um instante que se olhassem ou trocassem alguma palavra entre si.

É uma pena ver pais dispensarem a mais simples forma de comunicação com os seus filhos que consiste meramente conversar. Ao invés, se perdem em algo que, penso comigo, é uma perda de tempo. Sim, porque o tempo passa, e passa ligeiro. Daqui a pouco, as meninas terão se transformado em moças e os pais, envelhecidos, hoje, não terão garantias que fizeram a coisa certa.

Por outro lado, existe a constatação de que esta é a marcha do mundo, e não há como dela fugir, ou lutar contra. Seria a mesma história do herói combatendo moinhos de vento. É lamentável que as pessoas deixem o convívio de lado e passem a valorizar o relacionamento com as máquinas.

Lembrei-me do comercial de um carro que está passando na TV, onde um garotinho, no banco de trás, telefona para o pai ao volante, pedindo que pare num posto de gasolina porque precisa fazer xixi.

Terminado o almoço, permaneci ali à toa. O pessoal da mesa ao lado foi embora e continuei pensando na situação que presenciara.

Momentos depois, para não esquecer os detalhes, eu saquei também meu tablet para tomar algumas notas sobre o que vi, o que agora se transforma nessa crônica.

Meio sem graça, quase ao final do texto, percebi o quão furiosamente estava teclando. E não via nada à minha volta.

É cosi.

E agora, Brasil?



Os Jogos Olímpicos de Londres chegaram ao fim, e agora, usando uma metáfora esportiva, o bastão está nas mãos do Brasil.

Após uma belíssima festa de encerramento em Londres que confirmou o sucesso do maior evento poliesportivo do mundo, a partir de hoje, faltam pouco mais de 1400 dias para a cidade do Rio de Janeiro sediar o próximo espetáculo.

Os números que envolvem o empreendimento são fabulosos. Nada do que acontece ali é pouco. Durante os Jogos, circularam por Londres cerca de 4,5 milhões de turistas e foram realizados mais de seis mil exames antidoping.

Para o Rio de Janeiro são esperados mais de 10 mil atletas olímpicos, e numa consulta na internet, é possível descobrir rapidamente os detalhes, números e expectativas para 2016. Também aqui, como em Londres, tudo será elevado à enésima potência, e não haverá lugar para amadores. É coisa para profissional.

E é justamente aí que reside a preocupação de muita gente séria. Quem conhece minimamente sobre planejamento ou quem está acostumado como as coisas acontecem e são feitas no Brasil, sente arrepios na espinha só de pensar na possibilidade de ver, às portas de 2016, obras inacabadas e ouvir as desculpas e justificativas as mais esfarrapadas possíveis. Isto porque as notícias sobre as providências para o evento mostram que tem muita coisa atrasada, o que, conforme as condições normais de temperatura e pressão aqui em terras tupiniquins, será o mote para a roubalheira e a sacanagem de última hora: Empresas contratadas sem licitação a preços milionários, propinas rolando solto e políticos faturando em cima do povo.

Algum leitor aí já viu este filme antes? Alguém aí lembra o superfaturamento que aconteceu nos Jogos Pan-Americanos de 2007? Há informações que um orçamento inicial de R$400 milhões se transformou em R$5 bilhões no fechamento das contas. Alguém aí é ingênuo o bastante a ponto de acreditar que agora será diferente? Eu não acredito.

Será que o COI não conhece as malandragens, artimanhas e a corrupção que campeia alguns setores da gente bronzeada dessa terra?

Por outro lado, há a constatação que houve involução na conquista de medalhas por parte dos atletas brasileiros nas últimas três Olimpíadas, Grécia (2004), China (2008) e Londres (2012), relativamente aos investimentos públicos aplicados no esporte em geral. Ou seja, a fração Reais sobre Medalhas diminuiu.

Sempre houve reclamações sobre a falta de dinheiro e incentivos do Governo, mas agora, se não o mundo perfeito, pelo menos há a destinação para tal. E então, como explicar a retração das conquistas? Falta de competitividade? Recursos mal aplicados? Serão sempre muitos os motivos. Mas, tenho certeza que haverá sempre um cara-de-pau, um caradura, com razões e explanações convincentes para justificar o fiasco, o subdesenvolvimento esportivo, a baixa performance dos homens e mulheres de nossa pátria-mãe gentil.

É fato: Amarelamos em Londres. Dê uma olhadela, alheia às emoções patrióticas, nos momentos decisivos em alguns esportes nesta última Olimpíada e você vai constatar que quase chegamos lá. Quase. Apenas isso.

E é bom lembrar que no meio do caminho, em 2014, há outra obra faraônica pela frente: A Copa do Mundo de Futebol.

Deus permita que eu esteja errado no que aqui escrevo, e que minha falta de crença não nos leve ao fracasso. Eu torço, e o que me resta é somente torcer, que tudo dê certo nesses dois grandiosos acontecimentos e que o Brasil se eleve vitorioso nos Jogos e na Copa. Se não no número de medalhas, pelo menos no uso honesto dos recursos públicos: O povo brasileiro há de gostar e aplaudir.



Preto, o meu cachorro

 


- Marita, minha vizinha tem uma cadela que deu cria e ela não sabe o que fazer com tanto cachorrinho. Posso trazer um?

Era dona Luzia oferecendo para minha mãe um filhote de cão, na época em que morávamos na Gurigica. Dona Luzia trabalhava em nossa casa. Antes, já fora a cozinheira da minha avó Malvina nos tempos da pensão em Jucutuquara. A vida toda eu vi dona Luça, como nós a chamávamos, como uma senhora idosa que fazia parte da família. Chegava pela manhã, ficava por ali, sentava em seu banquinho no canto da cozinha, conversava com quem estivesse na casa, fazia o almoço e ia embora. Todos os dias.

E foi desse jeito que apareceu lá em casa um filhote, com pretos muito preto e os brancos muito branco. O nome dele veio numa unanimidade na família: Preto.

Preto permaneceu conosco durante muitos anos e morreu velho depois de complicações no intestino.

Vários anos depois é que descobrimos que era um mestiço de border collie. E o descobrimos não porque não fosse parecido como tal. Sim, ele era um bicho típico da sua raça, mas por causa das poucas informações que dispúnhamos naquele tempo.

Era um cachorro muito bonito, peludo e muito inteligente. Posso dizer mesmo que era um cão espirituoso e adorava brincar. Muito ativo, vivia correndo pelo quintal e não podíamos descuidar do portão, já estava ele fugindo para a rua. Voltava sempre para casa, mas sempre sujo, fedorento e às vezes estropiado e machucado. Em certa ocasião, ele passou quatro dias fora. Acostumamos com as fugas de Preto para a gandaia.

Voltava cansado e faminto, e depois de um banho, coisa que ele nunca apreciou, passava uma semana encostado dormindo e recuperando as forças.

Fora isso, era um grande companheiro para todos nós.

Depois de certa idade, deu para ficar meio safado. Às vezes não obedecia a ninguém, deitava num canto e fingia dormir. Só levantava dali quando bem entendia.

O que mais chamava a atenção em Preto eram suas expressões. Era típica sua cara de culpa quando fazia uma coisa que sabia estar errada, como entrar em casa ou dar uma cagada na garagem. Outra cara era a de pidão. Quando estava com fome ele olhava para mamãe com uma cara que era impossível alguém negar comida para ele. Mas a melhor expressão era quando estava alegre. Parecia que ria com aquela bocona aberta e arfante.

Certa noite, a madrugada já ia bem avançada, ouvimos os latidos de Preto na rua, acordando a todos. Alguém falou:

            - Deixaram o portão aberto e Preto fugiu de novo.

Pelo barulho de Preto, logo após concluímos que alguém havia entrado no quintal ou mesmo na casa. Papai se armou de um pedaço de pau e saiu bravamente, mas meio assustado, à caça do feroz invasor, enquanto os demais da casa fomos para a sacada da varanda ver Preto latindo na rua.

Papai deu de cara com um sujeito magro, suado e tremendo todo. Com a respiração bem agitada tentava se esconder num canto escuro do quintal, e quando percebeu que havia sido descoberto, correu em direção ao portão e fugiu em disparada, no mesmo instante em que Preto entrou e de dentro continuou a latir mais alto ainda.

Passado o susto, alguns vizinhos se aproximaram para saber se estava tudo bem. E foi aí que um deles, Pedro Porca, convicto bebedor de pinga do bairro comentou com papai:

            - É seu Toninho, cachorrinho esperto esse. Quando o ladrão entrou Preto saiu, e quando o ladrão fugiu Preto entrou. Mas não parou de latir!


Gestos e palavras

 


A sala protegida com cortinas quase fechadas estava na penumbra no meio da tarde. O tempo parecia parado em um especial momento de calma entre os dois. Lado a lado em suas poltronas, eles se encararam numa ternura infinita reafirmando um amor de tantos anos. Um amor que transcendeu as dificuldades, as brigas, o sexo, os anos, numa demonstração de permanência ao longo do tempo. Transformaram-se em amigos amantes. Ou amantes amigos.

O Sol insistia em matizar as sombras do ambiente através de seus raios oblíquos por onde se via a poeira flutuando na atmosfera morna e silenciosa.

Nesse momento ele pousou suave e distraidamente sua mão na mão dela enquanto lia um livro. Não havia necessidade de palavras, mas apenas o olhar para que sentissem como que em voz alta: “Você está aqui e eu te amo”.

Ela assentiu balançando a cabeça e retribuiu o gesto com um sorriso que durou uma eternidade, ou assim pareceu para eles que experimentavam o ócio da aposentadoria depois de tantos anos de trabalho sem fim.

O silêncio era tanto que era possível ouvir um zumbido dentro da cabeça, experimentado apenas poucas vezes.

            - A música terminou. Troca o CD. Parece que o silêncio faz muito barulho.

Ele se levantou e foi ao aparelho de som.

Desta vez, embalado pelo súbito momento de carinho pela mulher, colocou uma música suave.

            - Esta peça é aquela que você gosta.

            - Qual é mesmo?

            - Aquela que ouvimos em Praga, no verão passado.

- Ah, sim, isso mesmo. Estava anoitecendo na praça, ao ar livre. Qual era mesmo a orquestra?

Tentou lembrar, mas não conseguiu.

            - Depois eu vejo no caderninho do diário de viagem e te falo.

            - Tá bom.

Ele voltou para a leitura.

Ela continuou com seus pincéis e tintas fazendo o acabamento em uma caixinha artesanal que daria de presente para uma prima que fazia aniversário naquela mesma semana.

Viviam há tanto tempo juntos e ainda tinham um apego grande um pelo outro. De vez em quando inventavam coisas para sair da rotina. Ora era uma atividade manual, depois um hobby, tocar violão, jantar fora de casa, viajar.

Viajar era um capítulo especial na vida dos dois. Viagens memoráveis para várias partes do mundo. Algumas vezes fizeram junto com os dois filhos.

Bem depois, com a sala agora quase às escuras, ela pousou os pincéis sobre a mesa, se levantou e disse:

            - Vou fazer um café. Você quer?

            - Boa ideia. Coloca água no fogo que eu arrumo a mesa.

O clima entre os dois naquele instante era tão agradável que dava pena que tivesse de ser interrompido, mesmo que para tomar um cafezinho. Um cafezinho tantas vezes compartilhado entre ambos ao longo da vida.

Tinham uma combinação tácita, não escrita. Quem chegasse primeiro em casa, depois do trabalho, esperaria pelo outro para o café. Mas, sempre se telefonavam durante a tarde para saber que traria o pão.

Na cozinha, a água esquentando no fogão, enquanto ela punha o pó na cafeteira, ele se aproximou e a abraçou carinhosamente por trás. Por um momento ela ficou parada sentindo o calor de ambos. Em seguida, ela ficou de frente e se beijaram.

            - Eu te amo, mulher.

            - Eu te amo, marido.



Buenos Aires é aqui

 


Semana passada fui a Buenos Aires. O sábado amanheceu luminoso sob um céu azul. A brisa agradável do inverno sem nuvens que entrava pelas janelas do apartamento me deu vontade de andar um pouco por aí.

Não sei bem a razão, me veio à mente Buenos Aires. Não, não se trata da capital portenha, mas um Distrito de Guarapari, aqui, bem pertinho de Vitória.

Tomei o café da manhã e apressei a patroa na arrumação dos trecos para passarmos o dia fora. Pouca coisa, considerando que o almoço seria num restaurante qualquer pelo caminho. As tralhas se resumiram basicamente em algumas garrafinhas de água, máquina fotográfica, um pouco de dinheiro e o principal, o cartão de crédito.

O programinha empacotado que já repeti tantas vezes em outros lugares próximos da Capital, mas sempre muito bom: Passar o dia vendo paisagens diferentes para relaxar um pouco. Algumas vezes, revendo os mesmos lugares.

Minha mulher e eu, gostamos muito de andar à toa por aí.

Subimos com o Puma amarelo.

Ah, não havia mencionado antes, tenho um Puma GTE 1975, modelo Tubarão, amarelo e que é o meu tesouro. Eu o restaurei a menos de um ano. Ficou lindão e bem próximo ao original, mas com algumas essenciais melhorias no conforto. Mas isso é assunto para outra ocasião.

Pois então, depois de abastecer o Puma, rumamos em direção à Rodovia do Sol e em pouco mais de uma hora, já estávamos no começo da estrada da Pedra do Elefante, local onde se inicia a subida para Buenos Aires.

O caminho é bem pavimentado e a vista, deslumbrante. A certa altura, é possível avistar as praias ao longe. Dá pra ver Guarapari quase inteira.

Lá em cima, num recanto, passamos bons momentos próximos a uma cachoeira. O clima ameno, a conversa esticada e calma. Teve até uma limonada geladinha feita por uma senhora, dona da birosca do lugar. Numa sombra, fechei os olhos e cochilei.

Despertei da soneca com o barulho de vozes que vinham de cima do morro, perto de onde começava a queda d’água. Era a gritaria de adolescentes divertindo-se na corredeira.

Perto do meio dia, saímos em busca de um lugar para comer.

A caminho do núcleo urbano, observei a beleza dos inúmeros sítios ladeando a estrada, sempre bem cuidados e com um apelo chamativo, como um convite para parar, chegar e ser bem vindo às varandas repletas de sombras. O mundo, todo ele, deveria ser composto apenas de lugares assim.

Ao passar pelo centro, pude observar o jeito sossegado das pessoas nas ruas e nos bares. É bem verdade que grande parte daquela gente está ali apenas para o fim de semana porque provavelmente moram mais próximos de Vitória. Mas, apesar disso, e talvez pelo fato de estarem mais isolados, a vida passa mais serena por ali.

Descobrimos um restaurante localizado numa chácara.

Ao entrar, pude ver várias mesas ocupadas. Sinal de eu o lugar é bem conhecido. Veio nos atender à mesa uma mulher jovem com um cardápio sem nenhuma sofisticação. Deu para perceber que era um negócio familiar, o pai no caixa, a mãe, cozinheira.

Os pratos oferecidos eram bastante simples. Escolhemos uma galinha ao molho pardo com batatas, acompanhada de feijão, arroz e salada.

            - Sabe de uma coisa? – Disse minha mulher – É a melhor galinha ao molho pardo que já comi na vida.

Realmente, a comida estava muito saborosa. Comemos com calma, sem pressa.

A tarde avançava e o Sol descia já próximo ao topo dos morros quando resolvemos voltar.

Chegamos bem em casa. O dia foi ótimo.

O Puma amarelo voltou para a garagem.

Reencontro

 


A festa foi planejada com bastante antecedência e foram lembrados todos os detalhes para se tornar um grande acontecimento. Gugu e Jô não mediram esforços para realizar o reencontro da turma que, neste ano, aconteceu na própria Escola Técnica. Eles conseguiram juntar cerca de 400 pessoas, entre ex-alunos e suas famílias, das turmas de Edificações, Eletrotécnica, Mecânica, Estrada e Agrimensura da antiga ETFES, hoje denominada IFES.

Tudo foi cuidadosamente organizado e providenciado para que não faltasse nada: As carnes de qualidade e bem churrasqueadas, a cerveja geladinha, os atendentes muito atenciosos, e toda estrutura da Escola disponível para os convidados. Tudo estava uma beleza.

As camisetas ficaram um chiquê.

Foi uma tarde muito agradável, e carregada na cerveja e no churrasco. Tinha refri também. A chegada de cada colega era motivo de abraços e até lágrimas. Alguns mais exagerados gritavam, acenavam e chamavam a atenção para outros que já estavam no local.

Antigas amizades e remotas paqueras vieram à tona, cada um brindou aquele instante como a festa mais importante desde os tempos de escola. Muitos não se viam desde a formatura, em 1975.

Teve até o Coral Professora Maria Penedo, grande orgulho e motivo de satisfação, entoando o Hino da Escola. Todos os presentes cantaram juntos:

Na marcha incessante do progresso

Os corações vibrando de ardor,

Caminhamos, de par com o sucesso,

Trilhando a vereda do labor



Formamos com luta e sacrifício

Desta terra, a vanguarda industrial,

Somos todos irmãos em ofício,

Ansiando por um Brasil sem igual.



Grande forja de homens viris,

Impressora fiel de ideias sãs,

Celeiro imenso de almas febris,

Salve, Escola de jovens titãs!



Mas, e tem sempre um mas, minha turminha fez algo diferente: Como uma forma de manter a irreverência e rebeldia dos velhos tempos, lembrando das aulas que nós matávamos para ir para o boteco beber, Macarrão, Rios, Joninhas, Fregô, Francelino e eu combinamos de nos encontrar no Bar do Zé, em Jucutuquara, para uma espécie de concentração antes da festa.

Chegamos ainda pela manhã e fizemos uma farra. Entre cervejas, pingas, torresmos e ovos azuis cozidos, relembramos um montão de coisas da época em que estudávamos na mais importante escola do Espírito Santo.

Acho que, em meio a um sentimento meio egoísta, nossa antecipação foi até mais bonita que o Reencontro propriamente dito.

Casos quase esquecidos, detalhes tirados do fundo da lembrança, os projetos juvenis (os que deram certo e os que deram em nada), o sentimento geral de vitória ao constatar que nós seis crescemos na vida e permanecemos para contar a história.

Tiramos várias fotos. Em certo momento, para registrar a presença de todos do grupo, pedimos a um sujeito que estava no local para registrar uma foto nossa. Naquela bagunça toda, em meio às gargalhadas, ele enquadrou a máquina, orientou para juntar mais, fez a foto de um ângulo e mais outra em outra posição, conferiu e devolveu a máquina com um comentário:

- Quanta alegria, gente! Até parece que vocês saíram da prisão hoje!

Mais risadas.

Fregô se agarrou com Joninhas e quase caíram no chão de tanto rir, numa gargalhada escandalosa.