Toscana
Deixarás toda a
causa a mais querida, chaga primeira de tormentos cheia, do desterro pelo arco
produzida.
Sentirás quanto
amarga; quanto anseia o sal de estranho pão; que é dura estrada, subir e descer
degraus da escada alheia.
Paraíso – Canto XVII
– v.19-20 – Dante Alighieri
Sentindo saudades da Itália, deixo-me transportar pelo
pensamento e me vejo perambulando por pequenas cidades da Toscana, com suas ruas
estreitas e casas muitas vezes multicentenárias. São construções onde mãos
humanas operaram durante séculos para mantê-las preservadas, no esforço
contínuo de perenizar seu modo de vida e sua cultura através dos tempos. Passeio
por lugares deslumbrantes por onde pessoas, assim como eu, caminharam a cem,
duzentos, quinhentos anos atrás, e assim como hoje, com os seus mesmos problemas,
preocupações e perigos, em sua frágil e efêmera condição humana. Enquanto indivíduo,
pois que, enquanto coletivo, o homem sobrevive ao tempo, e assim considerado, o
mesmo homem que por ali andou, ainda hoje anda, e admira suas belas fachadas,
seus contornos e telhados.
Esta região italiana possui encantos que só existem ali. Misture
fotos e imagens do mundo todo, e sempre será possível identificar, num olhar de
relance, por mais rápido que seja, uma paisagem toscana com seu relevo
ondulado, suas árvores típicas e suas intermináveis encostas carregadas de
vinhas.
Ah! Os vinhos da Toscana... Chiantis, Brunnellos, e tantos
outros, são como um elixir da vida, em que cada gole, sorvido em concentrado
respeito e atenção, nos remete às mais sublimes dimensões de beleza e ao mais
puro estado de felicidade. É como viver em estado de jóia, testemunhando obras
de artistas imortais, responsáveis por elevar o ser humano a categorias
distintas dos demais seres da vasta criação, em função da perfeição com que
retrata o mundo através de seu trabalho: O belo, o sublime, o perfeito, coisas
boas de apreciar, a beleza em seu estado puro.
Chegando a Montalcino, entro numa cantina e peço vinho. Peço também
queijo e uns salames, e a vida desacelera em doces ondas de beleza e sonho,
pois são daqui importantes vinhos, apreciados no mundo todo por sua robustez e
características organolépticas superiores: Os Brunellos e os Rosso di
Montalcino.
Frequentes também nas paisagens toscanas são as oliveiras e
os girassóis. O azeite toscano é um capítulo à parte.
E foi por aqui também que um sujeito chamado Dante, considerado
il sommo poeta, codificou o volgare, a língua falada pelo povão lá
pelos anos 1300, e assim surgiu destacada do latim, a língua italiana. É pena
que, por motivos outros, Alighieri foi banido injustamente de sua cidade, acabando
seus dias em Ravena. Até hoje, Firenze carrega um enorme arrependimento, a tal
ponto que ainda o espera com um vazio e riquíssimo monumento funerário, o mauzoléu
onde serão depositados os restos mortais daquele que é considerado um dos mais
importantes cidadãos fiorentinos de todos os tempos, primeiro e maior poeta da
língua italiana.
O que mais poderia dizer sobre meu passeio mental pela
Toscana? Que vi Vinci, a cidade de Leonardo? Que apreciei as brancas montanhas de
mármore em Carrara? Que vi a torre torta de Pisa? Que subi até o topo do Campanile e de lá, como que ao alcance
de minhas mãos pudesse tocar a cupola
de Giotto, e logo no sentido inverso os telhados do Battistero di San Giovanni? Que vi de perto o David de Michelangelo na Accademia?
Ou todas as obras imortais no maior museu renascentista do mundo, a Galleria degli Uffizi?
Muita coisa eu vi. E quero tornar a ver.
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