A casa na montanha

 
Brindemos ao pão do dia, ao vinho do ano e aos amigos de 30 anos.

Hélio José Mannato.

É sexta-feira e anoitece, o trânsito está tumultuado com tantos carros buscando seus destinos, indo ou retornando, todos buscam chegar a algum lugar nos labirintos da cidade. De passagem, uma parada no supermercado e outra parada na padaria para abastecer as necessidades para o fim-de-semana. Os de comer e os de beber para a reunião entre os amigos na casa na montanha. Com a expectativa de juntar oito pessoas, quatro casais, para uns dias de relaxamento do corpo e o desfrute da alma, no clima ameno de Domingos Martins, a correria para arrumar as tralhas no carro é intensa.

Na estrada, já à noite, o trânsito diminui na medida em que se aproxima do destino. De Vitória a Campinho, e em seguida Soído.

Ao desligar o carro na chegada, o que se ouve unicamente são os ruídos da mata. A bicharada se prepara para enfrentar a noite escura. Uma pausa para esticar e espreguiçar o corpo. Respirar fundo o ar frio da altitude acima dos 900 metros e sentir a integração com a natureza.

A casa construída em madeira é aconchegante e convida para a desaceleração do ritmo frenético do trabalho e das coisas da vida cotidiana durante a semana que passou. Arrumar nos armários as coisas trazidas, abrir o registro do gás do fogão, ligar a geladeira, verificar a lenha para a lareira que será acesa mais tarde, conferir mais uma vez os vinhos que serão minuciosamente degustados (bebidos mesmo, todos).

Relaxar e aproveitar a calma.

No avançar das horas, as conversas vão se tornando descontraídas e o riso torna-se mais fácil. Até que vem o sono.

Pela manhã, o Sol entra pelas frestas das cortinas e chama a todos para a mesa do café. Vai começar mais um dia de pura alegria e confraternização entre amigos.

A varanda em frente à floresta, que revela seus verdes em múltiplas tonalidades, proporciona uma vista ampla para o vale onde é possível distinguir uma casa ali, outras acolá, quase sempre escondidas debaixo da copa das árvores.

A turma se espalha. Uns fazem caminhada pelas ruas do parque e outros ouvem música e conversam. Há também um que madrugou e acordou antes de todos, desceu à cidade e na volta, trouxe frutas e alguns complementos para o almoço. Trouxe também o jornal.

A bandeja com a comida para os passarinhos, sementes e algumas frutas, é colocada no beiral da varanda e começa o espetáculo: As barulhentas maritacas em bando, anus, canários, sete cores, caga-sebos e gaturamos se revezam na disputa de espaço para bicar tudo. E a confusão continua assim até a chegada da macacada que acaba por monopolizar o comedouro. Mas quando eles vão embora, a passarada volta.

Os beija-flores, também aos montes, sugam a doce água das flores dos bebedouros de plástico pendurados nas vigas do telhado da varanda.

A manhã avança e as atividades na cozinha já começaram. Hoje é dia de lombo suíno preparado com esmero e acompanhado de várias outras coisas. Um trabalhão para o mestre cuca da vez. Mas sempre tem gente ajudando.

Depois de servido, quem não participou no preparo do almoço agora lava pratos e panelas. A ordem é deixar tudo limpo e a cozinha arrumada. Pronta para outra jornada.

O papo continua alegre, mas as pálpebras insistem em se fechar e, porque ninguém é de ferro, uma boa soneca na tarde morna sempre vai bem.

Lá pelas tantas, enquanto o sol vai se escondendo atrás da montanha, a mesa do café da tarde está posta e é um festival de cores e sabores: Bolos de laranja, de cenoura, de chocolate, muchá de canjiquinha, queijos, pães da Dona Ana, café e leite.

Mas não dá pra comer muito porque à noite tem mais: Capelletti de frango. Ah! Uma delícia.

E assim a vida continua em prazerosos momentos entre amigos.

Agora as cigarras começam a cantar. É sinal que amanhã será mais um dia de Sol.

Consulta médica

 
Duas coisas acabam rapidamente com a vida: a tolice e o vicio.

Uns perdem a vida por não saber cuidá-la e outros por não querer fazê-lo.

Assim como a virtude é sua própria recompensa, o vício é o seu próprio castigo.

Quem vive no vício encontra um fim duas vezes mais rápido: acaba com a vida e com a honra.

Enquanto quem vive na virtude nunca morre.

A integridade de espírito é transmitida ao corpo:

uma boa vida é plena não só em intensidade, mas também em extensão.

Baltasar Gracián

A doutora ouviu o relato do homem à sua frente. Fez algumas perguntas e em seguida passou os olhos nos resultados dos exames que ele havia feito anteriormente por solicitação de outros médicos. Ele estava ali em frente da endocrinologista por orientação do cardiologista e do urologista, a quem havia feito outras consultas no decorrer do seu check up médico anual. O consultório possuía uma iluminação difusa, o condicionador de ar mantinha uma temperatura agradável e a sala proporcionava um conforto acústico que estabelecia um ambiente de tranquilidade e calma. A voz da médica, da mesma forma, serena e baixa, incentivava a uma conversa sem pressa e descontraída.

            - Você sabe que precisa emagrecer, não sabe?

            - Sim. E muito.

            - Observe a imagem aqui na ultrassonografia. O seu fígado está coberto por gordura.

Sedentário praticante e convicto, ele ouvia as explicações da médica com atenção e concordava com tudo. Afinal, ao longo de seus 54 anos de vida, já havia feito várias dietas de emagrecimento e um sem número de exames clínicos e consultas daquele tipo.

Já emagrecera várias vezes, mas sempre tornava a engordar, como uma verdadeira sanfona. Em uma das vezes que se submeteu a uma dieta, conseguiu baixar seu peso em 16 quilos, uma verdadeira façanha. Mas durou pouco. Sem atividade física regular e guloso, tornou a mexer o ponteiro da balança no sentido horário.

            - Sua glicose está no limite.

Tudo o que ela falava ele já sabia.

            - Se você não se cuidar, em breve estará com diabetes, e aí, meu caro, tudo vai ficar difícil em sua vida.

Sim, ela tinha razão. Era preciso mudar de vida para que a doença não o mudasse depois para pior.

            - São grandes as chances de melhorar seu quadro atual, mas você tem que mudar sua rotina, se não quiser ultrapassar a linha entre a saúde e a doença.

A médica então mostrou imagens do abdome aberto com destaque para o fígado gorduroso. Explicou o funcionamento de tudo.

            - No momento, não há necessidade de medicação alguma. O remédio para o seu caso é somente atividade física e alimentação adequada, tanto em qualidade quanto em quantidade.

Ele já sabia daquilo tudo, e o que mais vinha a seguir.

            - Tenho aqui uma tabela para você seguir uma dieta.

E foi relatando o que podia e o que não podia comer, isso em substituição daquilo, se ficar enjoativo repetir tantas vezes, coma aquilo outro. Etc, etc, etc...

            - Mas faça exercícios físicos, pelo menos três vezes na semana.

Grande novidade, pensou. Mas como arranjar tempo? Com a vida que eu levo, onde vou arrumar um espaço para andar, correr, nadar, pedalar?

            - Não precisa mais do que caminhar, mas caminhar forte. 40 a 50 minutos cada vez.

Sabia que tinha que fazer isso, sabia que não dava mais para adiar a decisão. Tinha consciência que se instalara nele o processo de envelhecimento e que não conseguia mais fazer coisas com facilidade. Calçar as meias já não era mais tarefa fácil, subir um lance de escada o obrigava a uma pausa, carregar pacotes era praticamente impossível.

            - Então, está decidido a mudar de vida?

            - Sim – repondeu sem grande convicção, mas resignado – Vou ter que arrumar um tempo para isso.

Vai ser complicado. E meus livros? Como vou conseguir dar conta de lê-los se vou para a ginástica?

            - Retorne aqui a um mês que quero ver como você está.

            - Obrigado, doutora.

Saiu preocupado e no caminho para casa foi pensando na rotina que teria que se impor.

E a preguiça que o impedia de se mexer? Essa era a pior parte.
Concluiu que qualquer horário depois do expediente de trabalho não seria bom. Tinha muita coisa para fazer à noite. Os compromissos com a Ordem, os livros, os textos, trabalhos levados para casa. É, não seria possível à noite.

No outro dia, às quinze para as seis da manhã, com um frio danado, tava ele na academia fazendo sua inscrição.

            - Que jeito, né?

Intolerância

 
As duas mulheres estavam almoçando numa mesa ao fundo do restaurante self service.

O ambiente estava relativamente calmo e sem tumulto àquela hora. As pessoas defronte a seus pratos comiam absortas em seus pensamentos, pareciam estar ausentes no recinto. Cada um em seu próprio mundo. Ninguém se importava ninguém.

As únicas que conversavam eram mãe e filha, e esta, visivelmente aborrecida.

            - Quando eu te falei que não queria ir, você não acreditou em mim.

            - Mas filha, é tua tia. É preciso ajudá-la porque está passando maus momentos. Sua doença a impede de sair de casa. Precisamos manter nossa família unida.

            - Já disse não.

Elas procuravam manter a conversa num volume o mínimo possível, mas o tom da voz denunciava que a situação não ia bem. A moça demonstrava uma raiva brutal em sua expressão.

            - Eu não quero me encontrar com a prima, já disse, o que ela aprontou comigo não tem desculpa.

            - Tá certo, mas o que a tia tem com isso?

            - Ela pode até não ter nada com a história, mas a infeliz da filha dela, nem que me peça de joelhos, o que não acredito que faça, eu volto na casa dela. E depois, só de pensar na possibilidade de olhar para ela... Esquece.

            - Você sabia que tua prima também tem queixas contra ti?

            - Não quero saber mais nada. Não quero falar mais sobre isso.

As primas estavam em crise. Quem estava no restaurante nunca soube o motivo da briga. Ficou a impressão de um caso insolúvel, uma amizade perdida, o desamor e a separação. Uma atribuía à outra a culpa pelo conflito entre elas, uma história que surgiu e se espalhou na família e entre os amigos. Ambas ficaram mal.

            - A filha ainda reclamou com a mãe: - Não bastasse tudo o que aconteceu, ainda por causa dela perdi o meu emprego... Cretina!

            - Mas, minha filha, você é nova. Releva.

            - Chega, mamãe, não quero mais falar sobre isso.

O restante do almoço aconteceu em silêncio de sepultura. O clima pesado naquele momento não permitia mais nenhuma palavra.

Terminaram o almoço, pagaram e saíram. Tristes.

O tempo passou e anos depois, o que sobrou de tudo entre elas foi a mágoa, tão distante, tão profunda, mas também tão real e tão presente no fundo da alma. Como uma mancha escura e indelével contrastando num lençol claro: Por maior que seja o pano branco, a vista sempre se volta para a nódoa.

Depois do episódio e por causa da intolerância mútua, nunca mais se falaram. Nem mesmo nas duas vezes em que tornaram a se encontrar: Ela no enterro da tia, e a prima no enterro do seu pai.

É proibido morrer

 
Guarapari é um País calmoso e hereditário onde se respira o ar por conseqüência,

vindo de um lado pelo oceano marital e de outro lado pelo oceano matagal.

Vereador Belarmino Sant' Ana, na cerimônia inauguração do cemitério da cidade em 1916.

O caso se passou em uma pequena cidade localizada na região da Campania, Sul da Itália, e parece surreal pela sua estranheza e pelo aparente delírio de quem o praticou, um atentado ao bom senso e à razão. Mas tem explicação: Pois não é que em Falciano Del Massico é proibido morrer?

É isso mesmo. O presidente da Câmara Municipal local, Giulio Cesare Fava, médico de profissão, mandou publicar a Portaria Nº 9, de 5 de março de 2012, que, segundo ele, “é provocativa”. Nela, fica estabelecido que “... é proibido para os moradores ir além das fronteiras da vida terrena e passar para o além”.

-          Ma come non si muore, Signore Fava?

Resgatando a história, o começo desse imbróglio vem de meados da década de 1960 quando Falciano Del Massico perdeu seu cemitério para a vizinha Carinola, da qual se emancipou politicamente. Mas não se emancipou o suficiente para enterrar os seus próprios mortos.

Mas os defuntos de Falciano continuaram sendo enterrados em Carinola até que a capacidade do cemitério esgotou. Como não houve um acordo para viabilizar a construção de um novo em Falciano, a solução do presidente da Câmara não tardou: É proibido morrer.

Motivo de riso e espanto, o presidente Fava tenta justificar sua iniciativa dizendo que sua ação tem o objetivo de sensibilizar as autoridades da província de Caserta, onde se encontra a pequena Falciano, uma cidade de aproximadamente 4 mil habitantes a cerca de 50 km ao Norte de Nápoles.

E o pior é que duas pessoas já morreram por lá depois da lei.

Antonio Scarano, antigo morador de Falciano, declarou “... fico imaginando quantas pessoas pedirão cidadania aqui, já que não se pode morrer. É um lugar lindo e as pessoas podem ter uma vida muito longa, uma vida eterna”.

Essa história faz lembrar o prefeito Odorico Paraguaçu, personagem do romancista baiano Dias Gomes. Mas de forma diversa, ele passou todo o seu mandato tentando inaugurar o cemitério que havia construído na cenográfica Sucupira. No final da novela, ele próprio é quem foi enterrado lá, morto pelas mãos do temível cangaceiro Zeca Diabo.

Mas, o que poucos sabem, é que a novela de Odorico aconteceu mesmo na vida real, e foi em Guarapari, em terras capixabas. Reza a lenda que nos idos de 1916, dez anos depois de construído, o então prefeito João Batista de Almeida não conseguia inaugurar o cemitério da cidade por falta de morto. Por que? Simples, dizem os moradores do lugar: Guarapari é a Cidade Saúde! A inauguração só se deu quando o prefeito trouxe um defundo emprestado da vizinha Benevente, atual Anchieta.

Foi uma festa.

E antes que se esqueça, e absurdos à parte, o prefeito lá na Italia já mandou avisar que os dois mortos que desrespeitaram a lei em Falciano Del Massico não serão punidos.

Ah! Ainda bem, né...

Sem assunto

 
O tempo é como o rio onde banhei o cabelo de minha amada

Água limpa que não volta, como não volta aquela antiga madrugada.

Edu Lobo

- Boa tarde.

- Boa...

Silêncio.

- Calorão, heim!

- É...

...

- Vai chover.

- Ouvi dizer, vai sim.

- O noticiário agorinha mesmo falou que vai cair um temporal.

- Então Vila Velha vai inundar.

- É. Como sempre.

- Chegamos.

- Ciao.

- Té...

Esta calorosa conversa durou o tempo para o elevador descer do nono andar até o térreo do prédio. Eles são vizinhos há mais de dez anos, mas não se conhecem, sabem os seus nomes por ouvir dizer. Cumprimentam-se de vez em quando no hall de entrada. Encontram-se ocasionalmente em reuniões do condomínio. Nunca conversaram.

Quando se esbarram, a conversa é mínima e em torno do clima ou do tempo, quando não, os dois. Sempre em tom de reclamação.

Se chove, reclamam porque choveu. Se faz frio ou se faz calor reclamam assim mesmo.

Quando não é o clima, é o tempo, ou a falta dele:

- O dia passou rápido, né? Nem vi o tempo passar! Quando dei por mim, não tinha feito nada e já era hora de voltar para casa.

- Pois para mim o dia hoje demorou uma semana, como custou passar...

O convívio em sociedade acaba se resumindo em encontros casuais, trombadas improváveis dentro do caos das cidades, rápidos e totalmente desprovidos de qualquer busca de interação entre as pessoas. Na eventualidade de um encontro num elevador ou em outro lugar fechado, obriga o senso de civilidade às pessoas uma conversação qualquer, para mostrar tão somente cordialidade, e às vezes nem isso.

As pessoas não se dão conta, ou fazem questão de não dar importância, que o tempo passa, inexoravelmente. E é igual para todos. Então por que falar dele de maneira recorrente?

Da mesma forma, reclamar do clima: Ora, chove porque tem que chover, e estia porque tem que estiar. Como já disse o Chico uma vez, “nuns dias chove, noutros dias bate sol”.

Então, e daí se chove ou se não chove? E daí se faz calor ou faz frio? Vista um casaco ou tire a roupa, conforme o caso. Saia mais cedo para fazer com menos pressa. Programe-se.

Ao invés de olhar o mundo com uma visão mais otimista das coisas, buscar entender que a natureza possui movimentos próprios e que nós é que devemos nos adaptar, não, parece que as pessoas criam o hábito de reclamar. É como um vício. Mas, como mudar uma pessoa assim? Como mandar que desligue a TV, leia mais, aprenda mais, converse mais? Como convencê-la tirar as lições que o frio traz? Ou que o calor traz?

Talvez a chave da libertação desse vício seja a escolha consciente do que pensar. E ao expressar seu pensamento, buscar o caminho da assertividade. Nunca a reclamação injustificada.

E assim, no curso da vida, como as águas que passam num rio, às vezes calmas, às vezes em turbilhão caudaloso, mas seguindo sempre em frente, se cada um aproveita bem o seu tempo e convive com as pessoas e as paisagens de sua viagem, viveu bem; senão, terá perdido a oportunidade. Sua existência terá passado em reclamações e lamúrias.

Se donner un coup de pied aux fesses

 
Dê a si mesmo um chute na bunda.

O mestre Houaiss nos ensina que galicismo é o modo peculiar de falar ou escrever próprio do povo francês. Ou seja, os franceses, assim como os cidadãos em cada país pelo mundo possuem características próprias para se expressar, e como é natural, carregando modismos e gírias locais. Muitas das vezes, o que um povo fala, entende e aceita como corriqueiro, é incompreensível ou não é admissível ou mesmo ofensivo em outros países.

Junte-se a isso, momentos de tensão e interpretações erradas.

Pois é isso o que aconteceu sábado passado em Londres, durante uma entrevista coletiva dada pelo secretário-geral da FIFA, Jérôme Valcke. Preocupado com o atraso generalizado nas obras para a realização da Copa do Mundo em 2014, suas palavras, se donner un coup de pied aux fesses, chegaram aos ouvidos das autoridades brasileiras, especialmente às ligadas diretamente aos preparativos do evento, como uma ofensa grave, a ponto de o Ministro dos Esportes informar oficialmente à FIFA que Valcke não seria mais aceito como interlocutor entre o Governo e aquela entidade.

Após sua entrevista em Londres, a coisa foi divulgada como: O Brasil precisa levar um pontapé na bunda para acelerar as obras necessárias.

Embora haja relatos de repórteres presentes que garantam que Valcke tenha se expressado em inglês, e não em francês, o que permanece é o fato: Ele falou, e isso é inequívoco. É certo também que usou uma expressão comum da França aplicada para situações onde uma pessoa, por exemplo, busca se dar uma injeção de ânimo. Seria algo traduzido como “dê a si mesmo um chute na sua bunda”.

O episódio acabou provocando uma reação exagerada de descontentamento entre os ufanistas de ocasião aqui no Brasil.

Passado o choque inicial, o senhor Valcke e o próprio presidente da FIFA, Joseph Blatter, vieram a público se explicar na tentativa de desfazer o mal-estar. O caso até o momento ainda não está resolvido.

Mas o povo brasileiro precisa refletir:

- Será que o secretário-geral está errado em sua declaração?

Embora suas palavras, admitamos, não estejam diplomaticamente adequadas no contexto da língua portuguesa, estão na francesa. E ele não faltou com a verdade, visto que há cronogramas de obras que apontam muitos atrasos.

Por outro lado, o sentimento de agressão percebido pelos brasileiros, não seria uma reação de quem foi pego de surpresa e não gosta de levar pito?

É preciso pensar, refletir e, principalmente, agir. Antes que seja tarde e o tempo dê realmente a razão ao secretário-geral.

Mas será difícil criar alguma racionalidade nesse turbilhão de declarações, desmentidos, explicações e entrevistas. Pelo que tradicionalmente se vê no Brasil, a correria vai mesmo acontecer quando estivermos a poucos minutos do pontapé inicial do jogo de abertura. Se as coisas se mantiverem no ritmo atual (e normal), tudo vai ficar para última hora: Contratações emergenciais e sem licitação; Planejamento inadequado (ou a falta dele); Obras mal-feitas e mal-acabadas; A grana rolando solta, e por aí em diante em um enredo manjado e bem conhecido de falcatruas, corrupção, desvios, gente se apoderando de dinheiro público, e depois mais adiante, e só lá bem adiante mesmo, é que surgirão eventuais e esparsas denúncias, investigações, e nenhuma prisão. E aí virão os políticos fazendo seus discursos inflamados com promessas de esclarecimentos e criação de CPI, quando o leite estiver derramado e perdido.

Tento compreender a indignação do ministro Aldo Rebelo porque, afinal, receber críticas em público não é bom, ainda mais vindas de alguém estrangeiro. Mas são críticas que deveriam ser assimiladas como um solavanco no ânimo de quem cuida desse tão grandioso e importante projeto para o Brasil.

Acredito mesmo que esse acontecimento deveria servir de mote para acordar a essa gente toda e levá-la a dar a si mesma um pontapé na bunda, para fazer o que tem que ser feito e já.