Uma festa de 2123 anos
Roberto aproveitou um convite do Arnaldo, um antigo amigo dos
tempos do Colégio Estadual, no Forte São João, em Vitória, para passar uns dias em
Gramado, Rio Grande do Sul, com a família.
Vida de turista, sem hora para nada, perambulou pelas
atrações da cidade com a mulher e a filha até que, num daqueles restaurantes da
rua coberta, entre um gole e outro de vinho, o amigo e sua esposa, Selma,
apareceram. Depois de tantos anos, o encontro foi alegre. Muitas recordações. Almoçaram
e beberam.
Aliás, beberam além da conta. Tudo ia bem até que que o Arnaldinho
lascou o convite:
- Tenho um
tio que está aniversariando hoje. Vai ter uma festança na casa dele à noite. Vamos lá?
Tentou argumentar que não conhecia ninguém, seria um intruso
na família, ficaria deslocado sem ter com quem conversar, mas não teve como
escapar da enrascada. Aceitou o convite.
A mulher e a filha, mais que depressa, arrumaram uma desculpa:
Havia uma atração na rua à noite. Não poderiam acompanhá-lo.
Estava só. E mal acompanhado.
- Vai ser como
a travessia de um deserto árido, escaldante e sem vida – pressentiu.
Depois ainda tentou minimizar para se consolar:
- Esses
gaúchos são festeiros. Vai que a festa é animada? Senão, no mínimo, terei o meu
amigo para conversar.
- Tomara - pensou
conformado – Tem dias que tudo dá certo, e tem aqueles que a gente passa e
depois tenta esquecer.
Na hora marcada, precisamente na hora marcada (Eles não
esqueceram!), o casal de amigos estava no hall
do hotel, esperando para levá-lo à festa.
Chegando, teve uma surpresa quando avistou várias pessoas,
todas idosas, sentadas em cadeiras enfileiradas e encostadas nas paredes ao
redor da sala. Ao centro, uma mesa onde estavam servidos os comes e bebes: Sonho
com recheio de creme de padeiro e guaraná. Era o que havia. Explicando aos desavisados,
sonho aqui são aqueles bolinhos fritos com recheio de creme de gema de ovo.
Ao entrar, todos se voltaram para ele em silêncio. Foi só aí
que o seu amigo disse que a festa era para comemorar o aniversário de 100 anos
do seu tio-avô.
- Meu Deus,
vai demorar uma vida para acabar! – sussurrou entre os dentes.
Após ser apresentado ao aniversariante, em particular e aos
demais, no geral, as conversas foram retomadas, mas sem ele.
Sentiu-se um ser transparente, ninguém o via. Totalmente
deslocado no ambiente, amargou horas na animadíssima
festa.
Pensou em arrumar um pretexto para ir embora, mas não dava porque
estava de carona e não se sentia com coragem para chamar um taxi.
Resignou-se e suportou. Para passar o tempo, fez um jogo
mental constituído em atribuir uma idade para cada um dos velhotes presentes. Somou
tudo e chegou à surpreendente marca de 2123 anos. Era muita experiência
concentrada em pouquíssimos metros quadrados, mas, que festinha chata.
Finalmente, lá pelas tantas, Arnaldinho e sua mulher decidiram
que era hora de irem embora.
- Então –
perguntou o amigo no carro durante o retorno para o hotel – gostou da turma?
- Ah, sim, o
pessoal é bem animado, não?
Silêncio. Roberto desconfiou que sua entonação havia denunciado
o seu desagrado.
- Também, sujeito sem noção... – pensou.
Dormiu o sono dos justos, aliviado, porque havia passado pelo purgatório
da chatice. Amanheceu leve e alegre.
- Família, vida nova, atrações novas.
Vamos visitar uma vinícola no Vale dos Vinhedos e nada nos aborrecerá hoje.
Desceram para o café da manhã. De passagem para o refeitório,
deram de cara com Arnaldinho no hall
os aguardando. Eufórico foi logo dizendo:
- Bom dia,
gente! Hoje teremos um dia ótimo no sítio do meu cunhado, irmão da Selminha. Vamos
lá?
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