E a vida continua...

 
Muitos acreditam que a grande busca do ser humano é a felicidade.

O verdadeiro “objetivo” da humanidade é a experiência contínua do estado de paz.

Sem essa conquista, os momentos de aprendizado, de gratidão e de felicidade tornam-se fugazes e efêmeros.

Conceição Trucom

Dr. Manoel retornava para sua casa após o trabalho. Era um dia de verão e a tarde já adiantada, enquanto a noite não chegava, se consumia numa brisa morna e preguiçosa. Durante o trajeto, olhou distraidamente para as pessoas caminhando no calçadão da orla de Camburi e por um instante quis estar ali também. Desligou o ar condicionado e desceu as janelas do seu carro. O vento inundou tudo. O Sol já estava baixo e a sombra dos prédios se esticava até a praia. Respirou fundo e sentiu um pouco de paz.

Entrou em seu quarto e trocou o terno por uma roupa mais confortável. Muito melhor assim. Neco, como era conhecido fora do trabalho, era meu amigo desde os tempos do Ginásio.

Encheu um copo com água, sentou-se em sua varanda e tentou relaxar um pouco, mas sua mente trabalhava sem cessar. Passou e repassou os problemas do dia várias vezes. Forçou mudar o pensamento para outras coisas além do trabalho.

Estava muito cansado. Havia anos que não tirava férias, e quando saía (raramente) eram uns poucos dias de viagem quase sempre consumidos em compras, bebidas, correria, exageros na mesa. Voltava mais exausto do que quando ia.

Num momento, pôs-se a buscar a razão de sua constante insatisfação com tudo o que acontecia consigo. Por que, afinal, na grande maioria das vezes não ficava satisfeito com as coisas que fazia ou com as coisas que possuía? Ele tinha consciência dos altos níveis de exigência profissional que impunha a sua equipe e a si mesmo no escritório. O tempo todo em busca de alcançar patamares maiores de controle, de informação, de execução do trabalho.

Pensando bem, as pessoas no seu escritório são bem estressadas: A agenda dos compromissos forenses e as providências para atendimento aos clientes eram sempre urgentes. Tentou, mas não conseguiu elaborar um planejamento adequado que permitisse realizar as atividades no prazo justo e sem pressa.

Não, a correria, a urgência, a pressão são a tônica diária. Seus empregados vivem no limite da exaustão e do quase descontrole.

- E o sentimento de sempre estar faltando algo?

Quando se formou, já faz uns 20 anos, queria muito ser famoso e respeitado pela classe, queria uma carteira grande de clientes e ganhar muita grana.

- Isso não é errado, pensou, mas quanto eu tenho que pagar todos os dias para ter o que eu tenho e gostar tão pouco do que tenho.

Sua mente o levou a um tema recorrente: Ultimamente buscava para si uma definição precisa do que é a felicidade.

- O que é a felicidade? O que eu preciso fazer para alcançá-la?

Andou vasculhando sobre o assunto nas livrarias e na internet, mas só encontrou livros de autoajuda.

- Não tenho paciência para isso - concluiu.

- Ou será preconceito mesmo? Sei lá...

Nasceu e viveu na Praia do Canto. Seu pai foi um antigo empregado da Companhia Central Brasileira de Força Elétrica. Teve educação em família bem estruturada. Recebeu a melhor formação acadêmica possível para sua época. Fez Direito na UFES.

No momento está solteiro: Casou e separou. Tem uma filha e um filho com a ex-mulher.

Na atual fase da vida, gosta muito de farras, bebidas, mulheres, sexo, noitadas.

Neco é um sujeito antenado. Está sempre atualizado com os acontecimentos do mundo, mas não demonstra o menor interesse pelo que não diz respeito a si próprio. Ele próprio se sente egoísta. Gosta de ter coisas.

Não gosta de conversar sobre assuntos ligados ao espírito, sobre a alma humana e muito menos sobre religião. Diz sempre que religião é uma muleta.

            - Não tenho nada contra muletas. Usa quem delas precisa. Eu não preciso.

Mês passado, eu o vi numa entrevista no noticiário da TV. O cara é bom mesmo. Reverteu um caso em favor de seu cliente. Algo que parecia perdido, ele executou uma manobra apoiada nas brechas da lei e conseguiu o improvável: Ganhou a causa.

Domina sua profissão. É certo. Mas não se sente feliz.

A sexta-feira se transformou em sábado. O sábado virou domingo. O domingo amanheceu segunda-feira.

Dr. Manoel acordou às sete, às oito sentou-se em sua escrivaninha.

            - Dona Renata, por favor, me passe a agenda do dia.

E a vida continua...

Uma viagem a Porto Alegre
 
 
Cheguei ao aeroporto de Vitória e me apresentei no balcão de check-in no horário marcado para embarcar para Porto Alegre. O voo era às 20h55, mas só partiu às 23h50.

Isso me deixou apreensivo porque, considerando que até o destino, era previsto um tempo de quatro horas de viagem, com um atraso de três horas na partida, eu chegaria por volta das três da madrugada. Soma-se a isso o percurso de taxi e o check-in no hotel, e não acontecendo mais nenhum imprevisto, eu cairia na cama por volta das três e meia da manhã.

Em escala no Galeão, após vários minutos de espera, o comandante informou que o aeroporto em Porto Alegre estava fechado para obras na pista e para contornar o problema, o voo seria desviado para Caxias do Sul e daquela cidade, seria disponibilizado um ônibus com previsão de chegada a Porto Alegre às seis horas da manhã.

            - Putz! – Eu pensei (na verdade eu disse foi um palavrão mesmo!) – agora estou perdido (outro palavrão!) – Vou passar o dia inteiro trabalhando e terei pouquíssimo tempo para descansar.

Logo após, o que estava ruim ficou pior quando o comandante, novamente se dirigindo aos passageiros, informou que a empresa decidiu reter o voo até às 4h e então partir direto para Porto Alegre, e que todos deveriam desocupar o avião e aguardar na sala de espera do Galeão.

            - Caramba! (Um palavrão, mas agora em voz alta).

Como falar sobre tentar dormir naquelas cadeiras de aço pintadas de cinza e azul? Sem encosto para a cabeça e o mínimo de conforto, a iluminação intensa, a voz nervosa e de taquara rachada das empregadas das companhias aéreas intimando os passageiros para o embarque imediato, cansado e preocupado com o trabalho na manhã que se aproximava.

Até agora, enquanto escrevo a história, estou com dores nas costas de tanto que fiquei torto naquela maldita cadeira da sala de embarque.

Às 4h o voo para Porto Alegre partiu.

Às 6h estava entrando no taxi para o hotel.

Às 6h30 estava entrando em outro taxi em direção a outro hotel após descobrir que não havia reserva para mim. O recepcionista conseguiu uma vaga em outro hotel da mesma rede.

Às 7h fiz o check-in e subi para o quarto, tomei um banho rápido e troquei a roupa.

Às 7h30 desci para o café da manhã.

Às 7h40 Verônica já me esperava no saguão para irmos para o trabalho, onde permaneci até às 19h30.

Passei o dia lutando contra o sono. Retornei para o hotel e desabei na cama. Passei o dia seguinte meio lerdo.

Ao anoitecer, segui para o aeroporto para retornar para casa. O voo partiu no horário marcado.

Quando cheguei ao Galeão para fazer a conexão para Vitória, permanecemos cerca de 20 minutos dentro do avião aguardando a chegada de uma escada para a descida dos passageiros.

            - Como é possível não haver uma escada disponível no Aeroporto Internacional Tom Jobim? – pensei - só pode ser um brincadeira.

Mas não foi só isso. Quando a escada chegou ainda não foi possível descer porque não havia ônibus. Mais 15 minutos de espera.

E teve mais: O motorista do ônibus se perdeu dentro de aeroporto e demos duas voltas em torno dos terminais em busca daquele que finalmente eu desembarcaria.

No horário marcado, embarquei no avião que me trouxe para Vitória. Estava tão cansado e irritado que não resisti e perguntei para a comissária no topo da escada do avião:

        - Este voo vai para Vitória?

- Sim, senhor.

- Você tem certeza do que está dizendo?

- Tenho, senhor, respondeu sorridente.

Por via das dúvidas, entrei no avião com o pé direito. Vai que...

Este episódio aconteceu no fim-de-semana passado. Imagine a situação quando chegar a Copa do Mundo e ocorrer a explosão de turistas invadindo o Brasil. Será que alguém acredita que a Infraero e a Azul vão dar conta do recado?

Mas a viagem teve um ponto alto: Foi no domingo durante o almoço no Villaró Parrilla Lounge: Entrecot grelhado, um filé de costela bovina, acompanhado de um Casa Silva Reserva Carmenere 2010. Compensou todas as agruras da viagem.

Traição


Um conhecido se lamentou comigo recentemente sobre um revés que passou. Segundo ele, uma traição que o levou a pensar em fazer um desatino sem volta. Disse que, apesar de já ter superado a fase mais aguda do sofrimento, ainda agora tem que arcar com o ônus da traição: Os entraves em seus compromissos financeiros e as dificuldades na vida social. Ele demonstrou grande pesar ao me contar o sucedido e eu vi nele certo alívio em desabafar, mas ao mesmo tempo, um desconforto imenso por ter aberto sua vida mais íntima a outra pessoa. Além do sentimento de traição, de perda e de frustração, percebi também uma grande vergonha por ter relatado tudo pelo que passou. Em certos momentos, achei que ele tinha mesmo um misto de sentimento de culpa.

A história dele me fez lembrar a tia Maria, que costumava dizer que as cobras têm por instinto picar e envenenar, e que é preciso agir com cautela a qualquer aproximação que se faça a suas tocas. Nunca se sabe quando elas estão prontas para o bote. Tia Maria, aliás, dona Maria, não é minha tia. É uma velha amiga da família e eu a chamo de tia por afinidade desde os tempos de infância. Bem velhinha, ela tem explicação para tudo, sempre uma frase de efeito ou um pensamento moral.

Em seu relato, meu conhecido contou sobre a pessoa que achava ser seu amigo e que o envolveu em uma trama que o fez perder todo o dinheiro que tinha, estragar a hamonia entre seus familiares, e ainda quase perder o seu negócio, não fossem medidas rápidas e rigorosas, teria falido e possivelmente agora sem nenhum recurso para o seu sustento. Lamentou dizendo que jamais imaginou ser enganado de maneira tão covarde.

A traição sofrida, segundo ele, se confirmou quando percebeu que havia grandes retiradas no negócio e vagas explicações sobre a destinação do dinheiro, e junto a isso, a tentativa de envolvimento de seu nome em licitações fraudulentas. Nesse momento percebeu a quebra da confiança e o rompimento da amizade.

A decepção tão grande que teve aconteceu na mesma proporção da confiança depositada no ex-amigo. Ele acreditava sinceramente que havia fidelidade no relacionamento, tanto profissional quanto pessoal, e que nunca seria vítima de maquinações e fraudes.

Depois de tudo, ele próprio concluiu que não deveria esperar nada das pessoas além daquilo do que cada um é capaz de dar. Se tivesse percebido antes a índole do outro, por pouco que fosse, não teria confiado tanto e, portanto, não teria se decepcionado.

- Ninguém dá mais do que tem dentro de si mesmo. E se esse sujeito fez o que fez, é porque o que ele tinha dentro de si era essa sujeirada toda.  Um vil que teve coragem de trair seu próprio irmão.

A base de um relacionamento sólido é a confiança mútua, mas como avaliar o caráter de uma pessoa antes de confiar? Não há como viver se policiando preventivamente e desconfiando de todo mundo à sua volta. A vida se tornaria um inferno paranóico, com todos vendo, ou imaginando ver, inimigos em potencial por toda a parte.

            - O cara aparece na sua vida, amigo, solícito, macio. Frequenta sua casa, ajuda, ampara, ouve, aconselha. Aí chega um dia você percebe que não era nada disso: A lâmina fria e dolorosa da traição penetra fundo no peito, rasga tecidos e ossos, fere mortalmente aquilo que há de mais precioso que você achava que tinha: A amizade.

Depois de muito ouvi-lo, não soube o que dizer, apenas permaneci calado ao seu lado. Após longo silêncio, ele disse que vai seguir com a vida, não há outro jeito, mas nunca vai esquecer o golpe sofrido.

Sobre isso, tia Maria fala que em seus escuros e frios esconderijos, sim, porque é aí onde normalmente estão, as cobras ficam à espreita dos incautos que se aproximam demais, e traiçoeiramente os atingem com sua peçonha, a mortal peçonha de que são portadores os seres rastejantes.

O meu Dia do Homem



 
Hoje é o meu dia. O Dia Internacional do Homem. E eu o brindo a mim mesmo.


De antemão, eu aviso: Não foi fácil chegar onde me encontro hoje. E é por isto que o meu brinde é feito muito particularmente em razão de minhas próprias conquistas e não em função das conquistas que o gênero, coletivamente, conquistou na atual era, em tempos de altos níveis de comunicação, a vida em giro rápido e extrema competitividade entre as pessoas.


Chegar até aqui me custou muito, mas cheguei, e mesmo com todas as dificuldades e obstáculos, as noites mal dormidas, as contas pagas em atraso, as cãs prematuras, hoje me permito usufruir uma garrafa de um Erasmo 2007 e buscar minhas justificativas após um almoço em família numa tarde ensolarada em minha varanda no nono andar.


É muito? É pouco? Não há resposta definitiva para isso. Mas é o suficiente para me sentir pleno de vida e disposto a afirmar que me sinto bem no Dia Internacional do Homem.


Ontem à noite, após um dia intenso de trabalho, estando a repassar as notícias do dia na Internet, fui alertado para esta data comemorativa que existe desde 1999 e criada pelo Dr. Jerome Teelucksingh, da Universidade das Índias Ocidentais, em Trinidad e Tobago. Celebrada originalmente em 19 de novembro de cada ano, tal iniciativa tem apoio da ONU e grupos de defesa dos direitos masculinos nos Estados Unidos, Europa, África e Ásia. No Brasil, o Dia do Homem é comemorado em 15 de Julho. Por que aqui a data é diferente? Não sei. Mas é.


Sem levar em conta a realidade vivida pelo Dr. Jerome e sua motivação ao propor a criação deste dia, penso que esta comemoração não seja adequadamente aplicada à realidade do homem moderno e bem-sucedido, aquele que teve educação acadêmica, constituiu família, tem emprego e, portanto, possui renda, e vive certa estabilidade econômica que o permite, além de pagar as contas obrigatórias para viver (alimentação, moradia, educação, saúde), ainda ter como usufruir de momentos de lazer e tranquilidade junto aos seus.


Antes, este dia deve ser dedicado à lembrança do muito o que se há de percorrer até que seja resgatado o mínimo de dignidade àqueles que estão à frente de suas famílias e têm responsabilidades em prover sua casa com recursos suficientes que os permitam viver em condições adequadas e dignas.


Pensando em uma sociedade utopicamente perfeita, algo jamais alcançado na história da civilização humana, é possível deduzir que o homem, junto com o seu gênero oposto, a mulher, nunca atinja patamares econômicos e de justiça social estáveis e duradouros.


E eu nunca desejaria algo assim. Um mundo tão previsível, estável e politicamente correto seria muito chato. Um mundo no qual eu não gostaria de viver. Neste mundo ideal e perfeito haveria de faltar o desafio, a sede de conquista e a vontade de alcançar níveis mais elevados do ser, tanto no ter como no saber. Vencer! Faltaria nas pessoas a querência no sentido mais íntimo e mais grandioso de impulso ao próximo passo e ao desconhecido, o querer seguir adiante e ter para si. A força interior que impulsiona o ser ao penhasco do saber para desvendar o oculto e o secreto.


Pensando desta forma, no mundo real, este que todos nós ora vivemos, as perguntas, as dúvidas e o questionamento sobre a coisa posta, sobre o status quo, move mais o homem para o seu próprio desenvolvimento do que tudo o que lhe é dado sem que lhe tenha custado o seu esforço e o seu suor. Fundamental é lutar sempre. Imaginar, querer, buscar, vencer e conquistar.

Assim, e por tudo isso, esse dia foi marcado como um momento de reflexão sobre como tem sido minha vida, minhas rotinas e meu trabalho; o que me foi dado ver e testemunhar no mundo. E vencer.

Manhã de carnaval

 
Um dia, daqueles que ficaram quase esquecidos na lembrança, perdidos entre as prateiras empoeiradas dos armários da memória, numa semana de carnaval, acordei bem cedo e fui à padaria comprar as coisas para o café da manhã da turma. Havia perto de trinta pessoas na casa, todos parentes que, aproveitando o feriado prolongado, se misturavam e se embolavam no aperto dos quartos, pelo corredor e no chão da sala.

Era uma casa de madeira localizada numa praia ao Norte de Vitória.

Na volta, carregado de sacolas com pão, queijo, mortadela, leite e outras coisas, já perto de casa, avistei as portas abertas do Bar do Cuca. Achei meio estranho por causa do horário, afinal, o povo vai ali à noite para beber, curtir a música ao vivo e a simpatia do proprietário, sempre cordial com suas brincadeiras com os fregueses e com seus comentários sempre vivos e sagazes. Conhecia a todos pelo nome e sempre que um novato chegava, perguntava logo como se chamava. E bastava apenas uma vez, não esquecia mais. Era uma das formas como conquistava as pessoas. Achei que abrir o bar tão cedo era algo incomum.

Cuca era um sujeito dado às coisas hippies e psicodélicas, e já era considerado meio ultrapassado no início dos anos 1980 em suas preferências e atitudes. Ele gostava muito de sua produção artística, bastante visual, caracterizada pelas gravuras espalhadas pelas paredes de seu boteco. As cores vivas de suas telas contrastavam com a meia-luz do ambiente do bar produzida pelas luminárias de palha e vime penduradas no teto e se aproximando bastante das mesas. Era um lugar meio escuro.

Quando me aproximei mais da porta, percebi que já havia gente lá dentro, incluindo um amigo de longo convívio. Ele estava encostado no balcão. Curioso, entrei para cumprimentá-lo e saber o motivo de sua presença ali. Será que ele já havia começado a beber tão cedo?

Na entrada do salão senti o cheiro asco de cinzeiro sujo misturado com vapores de álcool, evidenciando que a noite anterior fora bem movimentada no lugar.

Após cumprimentar os presentes, percebi logo que não eram bebuns, mas madrugadores em busca de seu abençoado desjejum após uma noitada de farra.

Para mim, aquilo não combinava com o lugar... Custei a acreditar que aquele mesmo botequeiro que virava as noites junto aos seus fregueses em meio a bebidas e tira-gostos, era capaz de se levantar àquela hora da manhã para servir o café. E pasmado, constatei que muitos dos presentes eram os mesmos que estavam ali na noite passada atrás de copos de cerveja e petiscos. Será que essa gente toda não foi para casa dormir?

Cuca então me explicou que a certa hora, manda embora os retardatários, fecha as portas e faz uma faxina em tudo. Aí chega o próximo turno para começar os preparativos do dia, começando pelo café da manhã. Para ele, descansar, só por volta das 9 da manhã.

Ah! Sim, agora faz sentido. Mas me pareceu estranho um quase hippie trabalhando tanto.

No meio da conversa com o amigo, chega um sujeito com a cara amassada de travesseiro e com uma banda de pão na mão. Alegremente, grita no balcão:

- Cuca, meu prezado, me dá aí um motivo bem forte para comer esse pedaço de pão!

E Cuca, sem perda de tempo e sem perguntar nada colocou um copo em cima do balcão e serviu uma pinga para o freguês.

Foi de um gole só!

Saí do bar dando risada e retornei à casa para preparar o café da família.

Sem Internet

Lá pelos anos 1980 apareceu o computador pessoal nos moldes que o conhecemos hoje. Antes disso, só as grandes corporações e universidades podiam bancar instalações com o porte necessário para abrigar os gigantescos equipamentos, como eram naquela época. Isso sem contar que a tecnologia era restrita a poucos países e muito pouco difundida entre os cidadãos. Poucos nesse mundo podiam imaginar o uso do computador pelas pessoas em seu cotidiano de maneira tão ampla, seja no trabalho, no lazer ou em aplicações domésticas.

Passados os anos, a tecnologia nesta área alcançou níveis de desenvolvimento inimagináveis para aquela época. O processamento de dados através dos chips estão presentes em praticamente todas as atividades humanas, e também naquelas onde não é possível sua presença. Houve época em que eu pensava que o limite para esse desenvolvimento seria o tamanho do dedo, imaginando simplesmente na miniaturização dos aparelhos, mas isso não impediu o seu controle através de comandos de voz e sabe-se que há em uso sistemas e máquinas movidas por impulsos do cérebro. Não há dúvida que o desenvolvimento nesta área foi fabuloso.

Com a produção em massa e o seu uso corrente, a parafernália tecnológica invadiu a vida do ser humano a ponto de, em inúmeros casos, criar uma dependência muitas vezes compulsiva a essas maquininhas. Isso no campo pessoal. Se for levado em consideração o uso comercial, há exemplos infinitos da necessidade absoluta de sua aplicação nos negócios. Dá para imaginar um estabelecimento comercial sem um equipamento para passar o cartão de crédito ou para emitir o cupom fiscal? Imagine um magazine emitindo notas fiscais na mão nos dias de hoje!

Na indústria, da mesma forma, o uso da tecnologia é imprescindível para garantir qualidade, competitividade e sua manutenção no mercado.

Qualquer pessoa deste planeta que esteja conectada à internet pode acessar praticamente tudo o que deseja. O limite para o aprofundamento de sua pesquisa está contido nela própria, ou seja, se a pessoa sabe o que quer encontrar, os mecanismos de busca na rede retornam informações em quantidades astronômicas em fração de segundo, permitindo o seu aprofundamento conforme sua necessidade.

Com tantas informações disponíveis, com tanta coisa entrando na mente das pessoas, a velocidade das ações rotineiras aumenta. A velocidade da vida aumenta. Daí a sensação de que o tempo passa mais depressa.

Com o passar dos dias e com o alto giro da vida, quem de nós é capaz de dar uma paradinha num fim de tarde e ir ali na beira da praia para ver a lua surgir no mar? Não é nem para estimular impulsos românticos, escrever poesia ou cantar sob sua luz prateada, mas simplesmente para relaxar da tensão após um dia infernal dentro do sistema.

Com tamanha dependência do computador, quando a rede cai, num instante, vida fica vazia e o cidadão não sabe o que fazer. De repente, ele se vê no escritório sem saber para onde ir e percebe que tudo o que produz está dentro de seu notebook, e sem ele, não é possível fazer mais nada.

Agora mesmo, a internet saiu do ar. Soube que houve um acidente na rua e os cabos foram rompidos. Estou escrevendo esse texto porque não consigo fazer mais nada em meu trabalho. Preciso enviar emails, acessar o sistema, mas não consigo. Estou isolado do mundo.

Corinthians versus Boca Juniors

 
Salve o Corinthians, Campeão dos campeões.

Ontem foi a partida final da Copa Libertadores da América deste ano, uma competição de futebol que existe desde 1960 e é considerada a principal entre os clubes da América do Sul, mais o México. O nome do torneio lembra os personagens da independência das nações participantes, como José Artigas, Simón Bolívar, José de San Martín, José Bonifácio de Andrada e Silva, D. Pedro I, Antonio José de Sucre e Bernardo O'Higgins. Equivale à Liga dos Campeões da Europa.

Este ano foi entre o Corinthians e o Boca Juniors. Brasil versus Argentina.

Uma verdadeira batalha que me fez lembrar as disputas entre nações em priscas eras, espalhadas por toda a história da civilização humana. Batalhas entre cidades rivais se enfrentando em torneios promovidos para resolver alguma demanda. Cada cidade tinha seu representante, um guerreiro poderoso, um cavaleiro armado, e se enfrentavam com espadas, lanças e massas. Era sangrento e na maioria das vezes acabava em morte.

Isso quando não acontecia a guerra total com a turba se enfrentando desordenadamente em um impacto direto entre si.

O tempo passou, mas a rivalidade permanece. Ainda bem que foi inventado o esporte, através do qual é possível realizar confrontos entre as partes sem a necessidade do derramamento de sangue. É, admito, às vezes sai um pouquinho de sangue, mas longe de ser uma matança como era na antiguidade.

Mas ontem aconteceu, sim, um fato no mínimo inusitado: Uma dentada esganada na mão de um jogador argentino foi captada com precisão e detalhes pelas câmeras que transmitiram o jogo.

Um jogador brasileiro, na fúria da disputa de um lance, cravou os dentes na mão do adversário. Só para não esquecer, futebol se joga com bola e pés. Não com dentes e mordidas!

Foi um jogo emocionante e ambas as equipes demonstraram muita garra e espírito de luta. Essa Copa suscita mesmo os ânimos dos torcedores e não é raro observar o arremesso de objetos para o campo. Garrafas, latas e paus. Muitas vezes, para bater um escanteio o jogador tem que ser protegido das pedradas por escudos dos policiais. É o simbolismo da guerra retratado no esporte.

Nos dois países, quem não estava no Estádio do Pacaembu, em São Paulo, estava com os olhos grudados na tela da TV, em casa, nos bares, em praça pública. No Brasil, foram registrados alguns casos de torcedores de outros times que, na tentativa de secar o Corínthians, estavam a favor do time argentino. Foram casos isolados. No geral, o Corínthians estava representando o Brasil e cada brasileiro era um torcedor da Fiel Corinthiana. Todos torcendo contra o maior rival no esporte: A Argentina, não o Boca Juniors.

E dessa vez deu Brasil. Dessa vez deu Continthians. Dois a zero no Boca, e pela primeira vez em sua história, o Timão conseguiu ganhar a Libertadores. O herói da noite, como um cavaleiro em sua armadura, foi Ermerson, o atacante que marcou os dois gols da partida e deu uma dentada no inimigo.

Vinho

 
Nectar Hominum Deorumque.

Muito já foi dito sobre os benefícios do uso moderado do vinho. Estudos na academia se multiplicam a cada instante, por todo lado. Como gosto dessa bebida, eu também resolvi me expressar sobre o assunto porque, assim como bebê-lo, falar sobre ele é muito bom.

Para começar, declaro que nunca penso nos benefícios para a saúde quando bebo o vinho. Prefiro apenas e simplesmente bebê-lo, e me deixo levar pelas sensações visuais, olfativas e gustativas que, ao longo dos goles, vão se harmonizando com os teores e eflúvios alcoólicos que ele traz consigo. Estou falando da deliciosa embriaguês dos sentidos e do relaxamento físico a que me entrego nesses instantes. Não é necessário o uso da razão ou a busca de justificativas para viver os momentos de prazer e de sentimentos de felicidade.

Mas beber, só se for na companhia de alguém com quem se possa confiar e compartilhar uma boa e demorada conversa, sem pressa e nem compromissos à vista. Não me concedo beber sozinho. Alegria, descontração, calma e união, são elementos que devem testemunhar o encontro entre as pessoas e selar seus relacionamentos. Um dia, e isso já faz alguns anos, Nietzsche disse que a vida mais doce é não pensar em nada. Eu faço uma adaptação ao seu pensamento e acrescento a isso o vinho: A vida mais doce é não pensar em nada junto a uma taça de vinho.

Não precisa, absolutamente, ser aquele mais caro da prateleira da venda. Basta ser feito de uva, ser vermelho, vir numa garrafa, ter uma rolha em cima, e vir com uma qualidade mínima para que se possa apreciá-lo e enaltecer suas virtudes.

Tenho um amigo que repete sempre que vinho não é bebida, é acontecimento. Segundo ele, trata-se de uma forma de juntar as pessoas e, mesmo sem um motivo declarado de comemoração, se transforma em acontecimento, ou seja, um encontro entre pessoas. E assim é.

Na semana passada, eu e minha mulher, junto com os nossos dois filhos, estivemos numa visita a uma grande viña chilena, no vale do Maipo. Fomos muito bem recebidos pelo pessoal do estabelecimento e a enóloga, uma moça muito bonita, nos guiou pelas instalações de onde saem os grandes carmenère, merlot, cabernet, dentre tantos outros. Tive a oportunidade de provar excelentes vinhos, mas além de tudo, a oportunidade de conhecer a cultura do lugar, sua geografia, sua gente e seus hábitos.

Conhecer um vinho, além dos aspectos sensoriais, é também conhecer a geografia e a história de onde ele é produzido. Dessa forma, durante a visita, fui informado sobre detalhes do plantio, insolação, regime de chuvas, níveis de açúcar, época do ano mais propícia à colheita, podas, a Phylloxera e a grande praga que afetou as vinhas européias no século 19, barris, envelhecimento, engarrafamento, rótulo e vários outros assuntos sempre em torno da uva e do vinho.

Em cada etapa da visita, fiz uma degustação de vinhos para demonstrar o que havia sido explanado durante o tour.

Dizem os especialistas que há mais de 10 mil variedades de uvas viníferas no mundo, e dessas, cerca de 50 são usualmente empregadas na elaboração de vinhos de qualidade.

Portanto, levanto aqui um brinde ao encontro! Bebamos mais! Brindemos mais! E que nossas vidas sejam vividas em sempre ótimas companhias, tanto com os amigos quanto com os bons vinhos!

Deus me ajude e me permita beber todos os meus vinhos!

E que assim seja!