E a vida continua...
Muitos acreditam que a grande busca do ser humano é a
felicidade.
O verdadeiro “objetivo” da humanidade é a experiência
contínua do estado de paz.
Sem essa conquista, os momentos de aprendizado, de gratidão
e de felicidade tornam-se fugazes e efêmeros.
Conceição Trucom
Dr. Manoel retornava para sua casa após o trabalho. Era um
dia de verão e a tarde já adiantada, enquanto a noite não chegava, se consumia numa
brisa morna e preguiçosa. Durante o trajeto, olhou distraidamente para as
pessoas caminhando no calçadão da orla de Camburi e por um instante quis estar
ali também. Desligou o ar condicionado e desceu as janelas do seu carro. O
vento inundou tudo. O Sol já estava baixo e a sombra dos prédios se esticava
até a praia. Respirou fundo e sentiu um pouco de paz.
Entrou em seu quarto e trocou o terno por uma roupa mais
confortável. Muito melhor assim. Neco, como era conhecido fora do trabalho, era
meu amigo desde os tempos do Ginásio.
Encheu um copo com água, sentou-se em sua varanda e tentou
relaxar um pouco, mas sua mente trabalhava sem cessar. Passou e repassou os
problemas do dia várias vezes. Forçou mudar o pensamento para outras coisas além
do trabalho.
Estava muito cansado. Havia anos que não tirava férias, e
quando saía (raramente) eram uns poucos dias de viagem quase sempre consumidos
em compras, bebidas, correria, exageros na mesa. Voltava mais exausto do que
quando ia.
Num momento, pôs-se a buscar a razão de sua constante insatisfação
com tudo o que acontecia consigo. Por que, afinal, na grande maioria das vezes
não ficava satisfeito com as coisas que fazia ou com as coisas que possuía? Ele
tinha consciência dos altos níveis de exigência profissional que impunha a sua
equipe e a si mesmo no escritório. O tempo todo em busca de alcançar patamares
maiores de controle, de informação, de execução do trabalho.
Pensando bem, as pessoas no seu escritório são bem
estressadas: A agenda dos compromissos forenses e as providências para atendimento
aos clientes eram sempre urgentes. Tentou, mas não conseguiu elaborar um planejamento
adequado que permitisse realizar as atividades no prazo justo e sem pressa.
Não, a correria, a urgência, a pressão são a tônica diária.
Seus empregados vivem no limite da exaustão e do quase descontrole.
- E o sentimento de sempre estar
faltando algo?
Quando se formou, já faz uns 20 anos, queria muito ser famoso
e respeitado pela classe, queria uma carteira grande de clientes e ganhar muita
grana.
- Isso não é errado, pensou, mas
quanto eu tenho que pagar todos os dias para ter o que eu tenho e gostar tão
pouco do que tenho.
Sua mente o levou a um tema recorrente: Ultimamente buscava
para si uma definição precisa do que é a felicidade.
- O que é a felicidade? O que eu preciso
fazer para alcançá-la?
Andou vasculhando sobre o assunto nas livrarias e na
internet, mas só encontrou livros de autoajuda.
- Não tenho paciência para isso -
concluiu.
- Ou será preconceito mesmo? Sei
lá...
Nasceu e viveu na Praia do Canto. Seu pai foi um antigo empregado
da Companhia Central Brasileira de Força Elétrica. Teve educação em família bem
estruturada. Recebeu a melhor formação acadêmica possível para sua época. Fez
Direito na UFES.
No momento está solteiro: Casou e separou. Tem uma filha e um
filho com a ex-mulher.
Na atual fase da vida, gosta muito de farras, bebidas,
mulheres, sexo, noitadas.
Neco é um sujeito antenado. Está sempre atualizado com os
acontecimentos do mundo, mas não demonstra o menor interesse pelo que não diz
respeito a si próprio. Ele próprio se sente egoísta. Gosta de ter coisas.
Não gosta de conversar sobre assuntos ligados ao espírito,
sobre a alma humana e muito menos sobre religião. Diz sempre que religião é uma
muleta.
- Não tenho
nada contra muletas. Usa quem delas precisa. Eu não preciso.
Mês passado, eu o vi numa entrevista no noticiário da TV. O
cara é bom mesmo. Reverteu um caso em favor de seu cliente. Algo que parecia
perdido, ele executou uma manobra apoiada nas brechas da lei e conseguiu o
improvável: Ganhou a causa.
Domina sua profissão. É certo. Mas não se sente feliz.
A sexta-feira se transformou em sábado. O sábado virou
domingo. O domingo amanheceu segunda-feira.
Dr. Manoel acordou às sete, às oito sentou-se em sua escrivaninha.
- Dona
Renata, por favor, me passe a agenda do dia.
E a vida continua...