O vendedor de quebra-queixo

Tem!
Di-Ca-Ta-Ga-La-Cu-Tem
Di-Ca-Ta-Ga-La-Cu-Tem
Di-Ca-Ta-Ga-La-Cu-Tem
Di-Ca-Ta-Ga-La-Cu-Tem
Tem-Tem-Tem-Temmmm!
Estava lendo o jornal em minha sala, nono andar, quando ouvi ao longe o tilintar inconfundível do vendedor de quebra-queixo. Mudei toda a atenção da leitura e disparei as lembranças para Jucutuquara, o bairro onde morei na infância.

O baticum metálico, o mesmo do passado, alvoroçava a garotada e soava aos ouvidos como música. Bastava ouvi-la e todas as brincadeiras cessavam. Jogo de ferrinho no chão batido, bolinhas de gude nas calçadas sem pavimento, caçar passarinho com estilingue e bolinhas de barro cozidas e as pipas-estrela em cima da Pedra do Bode.

O vendedor não parava de bater o pino de aço no aro de rolimã até que nós nos aproximássemos para comprar o doce feito de coco e açúcar. Receita simples e antiga que às vezes levava um pouco de sumo de limão, dando um sabor especial.

Cada um deles tinha seu próprio timbre e com sutis diferenças no ritmo e no toque, mas geralmente variavam sobre o mesmo tema:
                    Dem!
                    Di-Ga-Di-Ga-La-Gu-Dem
                    Di-Ga-Di-Ga-La-Gu-Dem
                    Di-Ga-Di-Ga-La-Gu-Dem 
                    Di-Ga-Di-Ga-La-Gu-Dem
                    Dem-Dem-Dem-Demmmm!

Essa é uma das inúmeras passagens que povoam minha memória. As brincadeiras naquele tempo eram sempre pelas ruas próximas à Avenida Paulino Müller, numa época em que ainda tinha o bonde circulando paralelo ao valão aberto, ou subir nos morros em torno do bairro. Ficar dentro de casa só quando chovia.

Certo dia, após cortar o cabelo, minha avó Malvina me obrigou a retornar à barbearia porque achava que ainda estava comprido. Obedeci e fui. Novamente ela achou que não estava bom. Obedeci e retornei, mas dessa vez, mandei o barbeiro passar a máquina zero. Tomei uma surra com varinha de oitizeiro.

- É para você aprender a deixar de ser debochado.

Era um tempo em que os pais batiam nos filhos e eles cresciam fortes e normais. Não precisava de psicólogo para tratar os traumas e nem prisão para punir torturadores de menor.

Ganhei o apelido de Careca azul.

            - Careca azul!

Quando alguém me chamava assim, eu me zangava. Saía em disparada tentando achar quem estava me xingando, mas na maioria das vezes não encontrava ninguém, o gaiato se escondia. O tormento durou até o cabelo crescer novamente.

Um dia, um vendedor de quebra-queixo mandou o filho fazer o seu trabalho. Era um garoto do mesmo tope que os da turma. Não sei se por orientação de alguém da turma ou se por iniciativa própria, ao me entregar a minha porção do doce, disse:

            - Tá aí a seu quebra-queixo, careca azul.

Todos da turma começaram a dar risadas. Menos eu. Minha reação quase imediata foi amassar o quebra-queixo na cara do sujeito. Rolamos na poeira, aos murros. O tabuleiro do menino caiu e o vidro partiu. Sobrou quebra-queixo pra todo lado.

Entrou a turma do deixa disso e tudo acabou bem. Pelo menos até o dia seguinte quando o pai do garoto cobrou de minha avó o prejuízo.

Resultado: Outra surra e um castigo – permanecer em casa o dia todo estudando – que durou quase um mês.

Mas nunca deixei de comer quebra-queixo.

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