A vingança de Hécuba
A paz do mundo começa no coração de cada um.
Preceito Rosacruz.
Por que o homem é violento? Quais são as diferenças entre o comportamento
do ser humano atual daquele que vivia no Egito há 6 mil anos ou daquele que
estava na Roma de 2 mil anos atrás? E se for considerado o homem em seu
nascedouro, por volta dos 70 mil ou 100 mil anos atrás?
Estas perguntas me incomodam por causa da violência tão comum
e porque vejo as pessoas se agredindo diariamente em todos os lugares, todos os
níveis, sob quaisquer pretextos. Crimes são cometidos a cada segundo, as mortes
povoam diariamente as páginas dos jornais. O trânsito aleija e mata. Nações se
enfrentam com armas, convivem com o ódio recíproco que atravessa gerações, as
pessoas não se dão, a intolerância é crescente. Há aqueles que se matam.
Não há resposta simples e tampouco definitiva porque o homem
é um ser complexo e se caracteriza por desempenhar diversos papéis simultâneos na
sua existência.
A violência está disseminada em toda a sociedade e promove
uma crescente desvalorização da vida, do bom convívio e da paz.
É triste. É nossa realidade.
Tentei saber o que os especialistas dizem a respeito. Busquei
informações e descobri que nem mesmo os grandes pensadores convergem suas
idéias sobre o tema. Dois deles, Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rousseau, durante
os séculos 17 e 18, tratam basicamente sobre o mesmo assunto, mas com
abordagens diversas. O primeiro afirma que o homem é mau porque é motivado pela
competição (em busca do lucro), a desconfiança (em busca da segurança) e pela
glória (em busca da reputação), enquanto o segundo diz que o homem é bom por
natureza e que é a sociedade que o corrompe.
Além destes, há outros tantos que também explicam o fenômeno
e na maioria das vezes, o que pensam se entrelaça e se complementa, mas nunca
propõem solução eficaz para o problema. Todos estão certos em suas conclusões,
mas permanece a realidade: A violência não some e nem ao menos diminui ao longo da
história da humanidade.
Lembrei que veicula por todo o Brasil na atualidade uma
campanha publicitária, cujo título é Conte
até 10, cujo objetivo é diminuir a violência na sociedade. São várias peças
em várias mídias que orientam o cidadão manter a calma em situações de raiva
para evitar o confronto violento. Tudo muito bem, não fossem justamente os
protagonistas contratados para veicular a mensagem: Famosos lutadores de MMA
(Mixed Martial Arts), esporte violento ao extremo, cuja meta é, segundo o
jargão corrente, finalizar o
adversário. O que é que significa mesmo finalizar?
Mas, reclamar do que? A quem?
O que pode se esperar de um mundo onde matança pública de boi
é considerada esporte nacional, facções que não aceitam a religião de outras
pessoas explode tudo e a todos ao redor, onde o escore nos jogos de computador é contado pelo número de pessoas
abatidas?
Talvez seja útil, na situação como a que vivemos hoje,
refletir sobre a tragédia de Eurípedes, Hécuba,
que descreve a violência contra inocentes. Segundo o narrador grego, Hécuba,
mulher de Príamo, último rei de Tróia, foi escravizada durante a guerra contra
a Trácia e teve seu filho Polidoro e sua filha Polixena mortos por causas
menores. Com a ajuda de outros cativos, Hécuba vingou a morte dos filhos, matando
os dois filhos do rei da Trácia, Polimister, e em seguida, cegou-o.
Como escrava e sem esperanças, Hécuba arquitetou sua vingança
com práticas de extrema violência, numa demonstração de ausência de
racionalidade, aliás, uma típica reação da natureza humana. A metáfora
discutida na tragédia é a escolha do mal, em detrimento do bem, causada pela
desesperança de Hécuba.
E assim como comecei com uma pergunta, termino o texto com
outra: Onde vamos chegar se a violência humana não cessar? Ainda há esperança
de um mundo em paz?
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